segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Ricardo Soares e o jogo 100 na Liga: «Tem um significado muito grande» - A Bola - inglês

O técnico do Gil Vicente, Ricardo Soares, atingiu a centena de jogos ao mais alto nível e, em entrevista ao site oficial do clube, mostrou-se extremamente satisfeito.

«Fazer 100 jogos na Liga tem, de facto, um significado muito grande porque é por isto que luto todos os dias, para me tornar cada vez mais competente e este sentimento ainda é mais especial por estar no Gil Vicente, um clube no qual me orgulho de estar. Somos uma verdadeira família, lutamos todos pelo mesmo e é com grande satisfação que vejo que as pessoas no Gil também se lembram e é muito gratificante ser lembrado desta forma», assinalou o treinador.

Questionado sobre o facto de atingir esta marca numa altura em que os galos se encontram no 5.º lugar, de acesso às provas europeias, Ricardo Soares respondeu com humildade: «Primeiro, com grande satisfação porque quando somos contratados queremos ser bons profissionais e tento dar o melhor de mim às instituições que represento e a melhor forma é sempre através dos resultados. O futebol gira muito em torno dos resultados e se nós pudermos aliar este futebol e proporcionar aos adeptos alegrias com futebol de grande qualidade, que é aquilo que nós temos feito, ainda mais feliz fico porque no fundo o futebol é dos adeptos. Depois, também há um conjunto de objetivos que estão a ser conseguidos. Quando fui convidado pelo presidente, estabelecemos uma ligação forte, de grande respeito e de grande cumplicidade e há um conjunto de objetivos que eu me propus atingir e felizmente as coisas estão a fluir e estão a ir ao encontro daquilo que perspetivámos nas nossas melhores previsões. Agora é continuar a trabalhar de forma humilde, de forma simples, de forma honesta e tentar que possamos crescer ainda mais para tornar a equipa cada vez mais competente.»

O treinador assegurou estar «completamente feliz» no Gil Vicente, deixando uma promessa de constante ambição: «Completamente realizado não diria porque ainda há um longo caminho a percorrer e nós queremos mais e melhor.»

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domingo, 30 de janeiro de 2022

Dia da Saudade: sentimento ganhou significado ainda mais forte com a pandemia - Jornal Página 3 - inglês

A palavra ‘saudade’ não é particularidade da língua portuguesa. Derivada do latim, ela existe em outras línguas, mas no Brasil tem um significado único. É muito diferente dizer que você sente saudade de alguém ao invés de dizer que sente falta (tradução de ‘I miss you’ em inglês). 

É um sentimento melancólico, mas ao mesmo tempo positivo – quer dizer que a pessoa, o momento ou o lugar de quem você sente saudade realmente marcou a sua história. 

A saudade pode ser sentida de um tempo que não volta mais – como a juventude, os anos de colégio, e para os mais jovens, a falta dos colegas nas férias… ou ainda de um amor que ficou para trás, de uma pessoa que mora longe, de uma festa onde você se divertiu muito e, é claro, de uma pessoa querida que não faz mais parte dessa existência.

A pandemia de Covid-19 trouxe um significado ainda mais intenso para esse sentimento, porque o vírus impôs barreiras, afastou famílias e amigos, impediu que muitos se vissem e levou embora mais de 625 mil pessoas no Brasil, deixando muitas famílias desoladas.

Neste domingo, 30 de janeiro, é lembrado o Dia da Saudade. O Página 3 conversou com algumas pessoas que sentem saudades todos os dias. 

Compartilhe pelas redes sociais de quem você ou do que você sente saudade, marcando o @pagina3.


“Ele era apaixonado por pessoas e encontros e esta será para sempre nossa maior lembrança”

Luciana Zonta, jornalista, perdeu o pai, Ademar, de 78 anos, para a Covid em 2021. Ademar foi um empresário muito conhecido em Balneário Camboriú

Luciana e o pai (Arquivo Pessoal)

“Dez meses depois do meu pai ter ido embora vítima do Covid, a dor da perda já é um pouco diferente. A saudade continua apertando sim, principalmente em momentos específicos, como nos almoços de domingo ou quando vejo algo ou estou em algum lugar que ele adorava. Mas o processo de aceitação do fluxo da vida (da qual a morte também faz parte) torna a ausência como uma presença constante.

É como se ele estivesse sempre aqui, trazendo sua leveza e sua alegria. Sinto saudade de suas risadas, de seu bom-humor e de vê-lo brincar com o Davi, o Nícolas e a Lis. Ele era apaixonado por pessoas e encontros e esta será para sempre nossa maior lembrança e nossa maior saudade dele.”


“Saudades não deixa de ser também a presença permanente das memórias felizes”

Melissa Ramos Bittencourt, 50 anos, professora, perdeu a mãe Iara Regina Ramos, de 71 anos, para a Covid em maio/2021

Melissa e a mãe (Arquivo pessoal)

“Sinto muita saudade da minha mãe. Éramos muito amigas, companheiras. Adorava estar com ela assistindo um filme, as novelas que ela adorava, comer pipoca, tomar chimarrão, ir ao supermercado, entre tantas coisas que fazíamos juntas. Três a quatro vezes por semana, estávamos juntas para um café, para passear na Avenida Atlântica ou ir na minha cunhada. 

É muito difícil lidar com a saudade hoje, parece que ela ainda está lá na casa dela, sentadinha na sua poltrona, vendo televisão, me esperando para o café no final de tarde. 

Procuro ocupar a minha mente com os afazeres diários, para não ficar lembrando, mas quando paro, geralmente na hora de dormir, me vem uma saudade  daquelas que dói muito ou mesmo quando tenho um problema e quero chorar sinto falta de desabafar com ela, do seu aconchego. 

Acho que até hoje ainda não consegui viver o luto de verdade, às vezes me deparo não acreditando em tudo isso que aconteceu de uma hora para outra, parece um pesadelo, que vou acordar e ela vai estar lá. 

No ano passado ela disse que tinha que se cuidar porque se ela pegasse Covid não ia escapar. Lembro que ainda comentei: ‘credo mãe, você vai viver muitos anos ainda!’

Apesar de ela ter comorbidades, nunca imaginei que isso pudesse acontecer com alguém tão próximo. 

A dor de perder alguém para o Covid é inacreditável, você se depara pensando mil coisas, do tipo: e se ela tivesse parado de trabalhar não teria se salvado, e se ela não tivesse ido a tal lugar, e se ela não tivesse tomado a vacina Coronavac, e se ela não tivesse lúpus, e se…

O que sempre me vem em mente é ela dizendo: ‘se cuide, minha filha’ ou ‘o que nós vamos mastigar?’ (quando ela queria comer uma bobagem, risos). 

Só quem passou a dor da perda pelo Covid sabe o que estou dizendo. Por isso, digo: independente de qualquer coisa, melhor pecar pelo excesso do que pela falta, o melhor ainda é se vacinar, eu tomei as três doses e não me arrependo. 

Para tê-la na minha memória e não esquecer a sua fisionomia mandei fazer um quadro com uma foto. Fica na parede da sala, para eu manter viva a sua imagem e as lembranças que tenho dela”.


“Ele era uma inspiração para todos que o conheciam” 

Christina Barichello, secretária de Inclusão Social de Balneário, perdeu o tio Nelson Luiz Barichello, de 71 anos, em agosto/2020; ele era integrante do Corpo Clínico do Hospital Marieta Konder Bornhausen, de Itajaí, e atuava na UTI salvando pacientes da Covid, doença que causou a sua morte

“Lido com o pesar, cada vez que eu penso no meu tio, não penso só nele como meu tio, porque o máximo de tempo ele se dedicava às pessoas. A vida dele era o hospital, ele era diretor da UTI do Marieta, trabalhou anos na rede municipal também e era voluntário do Lar dos Idosos de Camboriú há muitos anos. Eu e ele pegamos Covid ao mesmo tempo e nós dois nos falávamos por telefone, por ele ser médico eu questionava, já que peguei antes dele e queria saber sobre os meus sintomas. Ele ficou em casa, mas chegou o momento em que os médicos o internaram e não conseguimos mais falar com ele. Não teve uma despedida.

Uma hora tinha o tio, aquele tio que representava a dedicação do cuidado com as pessoas, que era uma inspiração para todos que o conheciam. Ele tinha 71 anos e continuava trabalhando, por lei poderia estar em casa, mas continuou salvando pessoas. A vida dele era isso, mesmo com a pandemia de Covid não conseguiu se afastar, mesmo sabendo que corria risco por ser idoso. Tenho pesar, a família tem uma dor muito grande, mas não é aquilo de ficarmos chorando.

Ele foi pai muito tarde, o filho dele é pré-adolescente ainda e ele dizia que tinha muito medo de morrer e não falar todas as coisas que queria para o filho, dizia que queria gravar tudo para deixar para o filho. 

Ao invés de pai, era pai-avô, teve o menino depois dos 60. 

Foi uma pessoa que me inspirava, deu a própria vida em prol do que acreditava, tinha uma missão e morreu nessa missão. Essas pessoas, como ele, transformam o mundo, não apenas trabalham, mas acreditam na missão, que é muito maior do que cumprir horário de trabalho. 

Ele foi professor na Univali, do curso de Medicina, diretor do Marieta, trabalhou no Hospital Ruth Cardoso e mesmo assim, toda sexta à tarde, mesmo com plantão de não dormir, ele ia ver os idosos em Camboriú. 

Para mim, meu tio e meu pai, que não faleceu de Covid, mas de quem também sinto muita saudade, são duas pessoas que são inspirações. 

Saudade é sentimento que representa falta, mas é sentimento positivo, porque você só tem saudade daquilo que foi importante, daquilo que trouxe estímulos positivos, sentimentos positivos… a saudade é isso”.


Família a um oceano de distância

Matheus Sampaio, 22 anos, há três anos vive distante dos pais, Alexandre e Simone, e da irmã, Maria Clara, de 14 anos, porque mora em Munique, na Alemanha, onde estuda e trabalha na área de Engenharia Mecânica, o objetivo que lhe levou para o Velho Continente

Juntos em família…

“Sempre foi um grande sonho, estudar no exterior, e minha família sempre compartilhou desse sonho comigo, porém não era algo que a gente sabia como poderia se concretizar, não fazia muito parte da nossa realidade. 

Tudo mudou em 2017, quando eu recebi uma bolsa de intercâmbio, a princípio por três meses, para estudar na Europa. 

Porém, diversas oportunidades foram surgindo, e em 2019 eu vim de fato para ingressar em uma universidade alemã. Inclusive, aqui há muitas pessoas de fora, e isso traz um pouco do aconchego, do sentimento de afeto que existe na família.

A minha família sempre me apoiou muito durante esse processo, sempre vibrou comigo conforme as oportunidades foram surgindo, porém tudo aconteceu muito rápido. 

A ficha só caiu quando eu cheguei aqui. Uma coisa que a gente só percebe quando sente é a tal da saudade, que não diminui com o tempo. 

Talvez ela até aumente com o tempo, mas uma coisa é fato: a gente vai aprendendo a lidar, mesmo querendo estar perto, principalmente em datas comemorativas como Natal, formatura, aniversários. 

Claro que a gente queria estar perto também no dia a dia, bater um papo com meus pais e irmã, é uma coisa que faz falta.

O jeito que podemos contornar é se manter junto, sempre tentamos estar em contato, falando como vão as coisas, compartilhando novidades, tentamos fazer ligações semanalmente. 

Claro que não é a mesma coisa, e é sempre uma grande alegria quando posso estar com eles, mas é algo que se aprende a lidar, e até mesmo evitar certos pensamentos para poder seguir em frente. 

Tenho certeza de que eles vibram muito por mim, assim como eu vibro por eles. 

A saudade não some, mas a gente tenta permanecer junto. A melhor hora de todas é quando tenho oportunidade de voltar, abraçar, ver de perto, passar um tempo juntos. 

Quando se sente saudade de verdade, é muito bom chegar lá e vê-los depois de passar tanto tempo longe”.


Simone Sampaio, 51 anos, nutricionista, é a mãe de Matheus 

“O tema saudade está bem ligado ao meu dia a dia. Há três anos o meu filho foi para a Alemanha para estudar. Foi um choque muito grande para nós, porque a saudade é um sentimento muito forte e que a gente tem que aprender a lidar com ele. Já era uma decisão antiga, ele já vinha se preparando para ir pra lá, mas nada como o momento em que tudo acontece.

Foi muito difícil nos primeiros meses, havia momentos em que eu sentia muita angústia, muita falta, e o que salvava a gente era poder ter contato, vê-lo, através da internet. 

Mas mesmo assim é muito difícil, ao mesmo tempo é um sentimento que dói, mas é uma sensação boa quando vemos. Eu já fui meio que moldada para passar por essa situação, porque eu muito jovem, também com 22 anos, saí da casa dos meus pais, mudei de Estado, viemos tentar uma vida no sul, morava no Rio de Janeiro, e a saudade da família era muito grande, apesar de que a distância era menor.

A saudade ultrapassa fronteiras, se você sente falta de alguém, a minha mãe, irmãs, estavam distantes. 

Eu fui aprendendo a lidar com a saudade, e acabou acontecendo com o nosso filho, que vem ao Brasil uma vez por ano. Ele veio, e na viagem de retorno foi quando iniciou a pandemia (em 2020). 

oi muito difícil não poder estar perto, conversar com ele, ele tranquilizar a gente, mas sempre havia uma dorzinha, porque eu queria estar lá, saber se ele estava se protegendo, saber como estava a situação lá. 

Parecia que eu estava mandando meu filho para o covil dos leões, porque até então aqui não estava tão grave.

Nos falamos por vídeo semanalmente, todas as conquistas e temores ele sempre compartilha com a gente. 

Para matar a saudade entro no quarto dele, vejo as fotos espalhadas pela casa. A saudade é um sentimento com o qual temos que aprender a conviver, para que consigamos manter a sanidade mental, mesmo com esse fantasma da saudade ao seu lado”.

…e a um oceano de distância

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Traduzi “Boys Don’t Cry”. Confira: - Jornal de Brasília - Dicionário

A música nova de Anitta fala daquelas idas e vindas do amor, aquele joguinho amoroso que a gente adora.

Já sabe o significado do novo hit de Anitta, “Boys Don’t Cry”? Não? Tia Kátia traz a tradução para vocês! Chega mais menines!

Boys Don’t Cry

(Meninos não choram)

Sometimes I call you when I can’t sleep –             

(Às vezes eu te ligo quando não consigo dormir)

Alone                                                                          

(Sozinha)

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Now you keep asking me what that means       

(Agora você continua me perguntando o que isso significa)

Oh no

(Ah Não)

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In your feelings

(Em seus sentimentos)

I can feel it your in your feelings

(Eu posso sentir em seus sentimentos)

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You won’t admit it but

(Você não vai admitir mas)

That’s why I push you away from me

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(É por isso que eu te afasto de mim)

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Cause I know I know

(Porque eu sei, eu sei)

It drives you crazy

(Isso te deixa louco)

Try to tame me

(Tente me domar)

But nobody’s taking control all over me

(Mas ninguém assumirá o controle sobre mim)

Ooh baby baby you be talking tough

(Oh amor amor, você está falando difícil)

But your boys can’t get enough

(porque seus amigos não se cansam)

When the girls don’t need your love

(Quando as garotas não precisam do seu amor)

Who says boys don’t cry

(Quem disse que meninos não choram)

Ooh baby baby you just outta touch

(Oh amor amor, você está por for a)

Cause your boys can’t get enough

(Porque seus amigos não se cansam)

When the girls don’t need your love

(Quando as garotas não precisam do seu amor)

Who says boys don’t cry

(Quem disse que meninos não choram)

Sometimes you call me when you’re too drunk

(As vezes você me liga quando está muito bêbado)

Oh God

(Oh Deus)

Then you start telling me I’m the one

(Então você começa a me dizer que sou a única)

I’m not

(Eu não sou)

In your feelings

(Em seus sentimentos)

I can feel it your in your feelings

(Eu posso sentir em seus sentimentos)

You won’t admit it but

(Você não vai admitir mas)

I thought that we was just having fun

(Eu pensei que estávamos apenas nos divertindo)

Cause I know I know

(Porque eu sei, eu sei)

It drives you crazy

(Isso te deixa louco)

Try to tame me

(Tente me domar)

But nobody’s taking control all over me

(Mas ninguém vai assumer o controle sobre mim)

Ooh baby baby you be talking tough

(Oh, amor, amor, você está falando difícil)

But your boys can’t get enough

(Mas seus amigos não se cansam)

When the girls don’t need your love

(Quando garotas não precisam do seu amor)

Who says boys don’t cry

(Quem disse que meninos não choram)

Ooh baby baby you just outta touch

(Oh amor, amor, você está por fora)

Cause your boys can’t get enough

(Porque seus amigos não se cansam)

When the girls don’t need your love

(Quando as garotas não precisam do seu amor)

Who says boys don’t cry

(Quem disse que meninos não choram)

Who says they don’t cry

(Quem disse que meninos não choram)

Who says they don’t cry

(Quem disse que meninos não choram)

Who says They don’t cry

(Quem disse que meninos não choram)

Who says boys don’t cry

(Quem disse que meninos não choram)


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“Licorice Pizza”: PTA em LA e o significado do alcaçuz - À pala de Walsh - inglês

Há uma pizza que (se) promete nestas linhas. Cheia de anchovas e alcaparras. Alcaçuz? Nem vê-lo. Dois walshianos trocam impressões sobre – e cortam às fatias – o misterioso título do filme de Paul Thomas Anderson, mas esse é só um ingrediente entre muitos, numa conversa açucarada, cheia de ups and downs, como a relação com este filme em particular e com a obra de PTA em geral, como, aliás, a paisagem deslizante do vale chamado Los Angeles. Uma tentativa de agarrar uma experiência que nos fugiu por entre os dedos, que se revelou um prato inesperado, uma correria histórica/histérica algo desenfreada, que não estava no menu das nossas expectativas, para o bem e para o mal. De qualquer das formas, avisamos: nesta crítica epistolar, há um walshiano mais entusiasta deste PTA em LA, chamado Ricardo Vieira Lisboa, e outro quase, quase a desfazer-se em lágrimas, qual bebé chorão, chamado Luís Mendonça.

Licorice Pizza (2021) de Paul Thomas Anderson

Bom domingo Luís,

Espero que estejas bem.

Depois de duas semanas a adiar a ida ao cinema (por causa de todas as restrições), lá fui finalmente assistir ao Licorice Pizza (2021), do Paul Thomas Anderson. Depois desse período de protelamento, em que se somavam as múltiplas laudas ao filme e ao seu realizador, chegar finalmente ao cinema e sentar-me na poltrona foi tanto um gesto de honesta curiosidade cinéfila, como o resultado de uma longa e conflituosa luta interna, contra a sombra funesta das expectativas. Já se sabe que é impossível ver um filme “em branco”, a não ser, talvez, à estreia (caso as pessoas do marketing já não tenham inundado as vias de comunicação com factóides). Mas neste caso senti que vi Licorice Pizza através de uma névoa cultural que me turvava, um pouco, as vistas. Não sei se terás sentido o mesmo.

De qualquer modo, o simples facto de se ver um filme do PTA traz consigo uma certa carga: não é uma operação leve; não é um visionamento solto. Mais ainda quando se começa a tornar claro, que os filmes que o Mr. Anderson realiza oscilam entre dois pólos. Um, aquele que lhe trouxe a aclamação crítica e os galardões, mais sério, mais dramático, mais centrado em homens “maus”, violentos e manipuladores, numa estrutura narrativa de ascensão e queda – penso, naturalmente, em There Will Be Blood (Haverá Sangue, 2007), The Master (O Mentor, 2012) e Phantom Thread (Linha Fantasma, 2017). O outro, é aquele que tendo garantido a sua popularidade inicial, lhe vem granjeando alguma incompreensão recente, a sua veia humorística, meio tola, tão romântica quanto pateta, que se dispersa por múltiplas personagens e se organiza segundo um certo modelo coral, onde uma ou duas figuras centrais se fazem rodear por uma panóplia de sui generis secundários, cada qual com a sua cena – refiro-me a Boogie Nights (Jogos de Prazer, 1997), Punch-Drunk Love (Embriagado de Amor, 2002) e Inherent Vice (Vício Intrínseco, 2014). Magnolia (Magnólia, 1999), por sua vez, parece ocupar uma posição intermédia, neste xadrez bipolar. E, claro, estas oposições são apenas uma forma simplista de dar uma qualquer forma a uma obra que, não sendo extensa (realizou apenas 10 longas metragens em 25 anos), é das mais desafiantes do cinema dos estúdios americanos das últimas décadas (só equiparável, talvez, à de James Gray).

Licorice Pizza poder-se-á integrar, facilmente, neste último pólo: pelo seu humor, pela sua ginga, pelos seus “cameos” caricaturais, pela história de amor adolescente. E, pelo menos, foi assim que a névoa publicitária mo vendeu.

A perversidade de fazer um filme aparentemente imberbe sobre “um merdas” surpreendeu-me.

Só que nem tudo é o que parece neste filme… É isso que tenho estado a remoer desde que saí da sala. Este é um filme aparentemente doce, aparentemente romântico, aparentemente cândido. Em boa verdade, tudo aqui (ou ali – talvez me sinta engolido pelo filme) compõe mais um andersoniano retrato de um “homem mau”, manipulador e cruel, só que no momento em que tudo isso está ainda a despontar. A perversidade de fazer um filme aparentemente imberbe sobre “um merdas” [“eles (os homens) são todos uns merdas” diz-se a certa altura no filme – e não era preciso dizê-lo, já se tinha percebido] surpreendeu-me. Isto porque Punch-Drunk Love era um filme genuinamente romântico, achei que este não seria diferente. Mas é.

Todo o “romantismo” de Licorice Pizza é, como tudo em Gary (o protagonista), uma trapaça, uma forma de esconder uma segunda intenção. Gary será como o ator autocentrado que só sabe falar através de linhas de diálogo decoradas (Alana comentará que, ao telefone, ele usa expressões feitas), será como o cocainado conquistador baboso que só consegue ver o mundo a partir de um par de seios, será como o político, cheio de ideias “boas para o mundo”, mas igualmente cheio de incoerências pessoais, etc. Todos os adultos são ridículos e Anderson terá, certamente, dado direções que reforçam as interpretações excessivas de todos eles. Pensando agora nisto, talvez seja para aí que eles correm incessantemente: para uma vida adulta onde terão que, ou aceitar as suas frustrações e carregá-las no rosto triste ou, inversamente, tomar como a sua identidade um sucesso postiço feito de ilusões (o caso dela, o caso dele, respetivamente). Haverá coisa mais triste do que aquele “I love you Gary”, do plano final? Não é essa dedicatória apaixonada o fim-de-linha de uma rapariga que só consegue imaginar o seu futuro através de homens falhados?

Roubando o título do famoso livro de Joyce, este é um A Portrait of the Con Artist as a Young Man. E, por essa via tortuosa, acaba por ser, também, um retrato do próprio PTA, ou pelo menos do seu modo ardiloso de construir situações e personagens.

Não me queria alongar demais, por isso, antes de botar mais faladura, gostava de te ler. Diz-me o que achaste.

Um forte abraço,

Ricardo

Caro Ricky Spanish,

Acompanho-te em muito do que escreves. O “raio-X” que fazes à carreira curta mas muito preenchida – um “balão” cheio de emoções, socos no estômago e jorros de brilhantismo como houve poucos no cinema americano recente – é de facto brilhante. Sobretudo quando chegas a Punch-Drunk Love, o filme romântico “para aqueles que nem adoram PTA”, obra de culto, um culto cada vez maior, crescente desde o dia em que passou em Cannes até ao dia de hoje. É que fui revê-lo ao Nimas, ainda “perturbado” pelo primeiro contacto com Licorice Pizza e pude, digamos assim, “lavar a alma” da desilusão que tive.

Antes de mais, devo dizer-te: Licorice também foi, para mim, um regresso, há muito desejado, à sala escura. Foi mais do que isso, na realidade: foi “o regresso” a uma excitação que não sentia há anos em relação a um filme. Vi e revi obsessivamente o trailer deste novo filme de PTA vezes sem conta. Brincava quando ia ao cinema, dizendo, às vezes somente para os meus botões: “o filme já vai valer a pena pois haverá antes essa obra-prima que é o trailer do novo PTA”. Voltando à metáfora do balão, acho que enchi o balão da minha expectativa como já não fazia desde os eufóricos tempos de descoberta adolescente do cinema, que, já agora, foram também os tempos em que fui colhido pelo cinema de PTA, começando em Magnolia e, depois, recuando até Boogie Nights Hard Eight (Passado Sangrento, 1996).

Não sei bem de onde vem o título, mas acho que a ideia de PTA em contar este boy meets girl de maneira tão esparsa, acidentada, “às fatias”, resulta num progressivo distanciamento do espectador em relação àquilo que, bolas, deve municiar e nos elevar num filme como este: o mundo interior das personagens e aquilo que as liga entre si.

Posto isto, penso que fui devorado pela minha própria expectativa. Há um ritmo, muito do PTA, que aqui funciona como uma espécie de grande vendaval de situações. É justo compará-lo a Once Upon a Time… in Hollywood (Era uma Vez em… Hollywood, 2019), de Tarantino, mas até acho que PTA foi mais papista que o papa (também acho que ele é melhor a contar uma história, mesmo com muitas personagens, do que estórias, narrativas regidas menos pelos mundos das personagens do que por situações), dedicando-se tão intensamente à reconstituição histórica da LA dos seventies que perdeu as personagens pelo caminho. Não digo as personagens per se, mas aquilo que supostamente é o objecto principal deste filme: o amor que as une – caramba, por muito acidentado ou retorcido que seja (sim, o “I love you” final é intrigante e tem o seu quê de fascinante…), trata-se de uma história de amor! Concordo contigo na comparação que fazes com Punch-Drunk Love, digamos assim, “pela negativa”, porque, sim, este não é o mesmo tipo de história de amor. 

É, quase, um filme oposto, em certo sentido. Quando saí da sessão, senti que parte da minha decepção se prendia muito com o facto de ter, no fundo, achado que o PTA “tentou demasiado” distanciar-se do amor romântico; esforçou-se demasiado em não ser cute e em produzir, ao invés, uma espécie de documentário burlesco sobre uma cidade, fazendo do grande vale acidentado de Los Angeles metáfora dos ups and downs da vida entrelaçada dos dois protagonistas. Mas, de facto, os protagonistas acabam ultrapassados por todo um rol de situações…

Não sei bem de onde vem o título, mas acho que a ideia de PTA em contar este boy meets girl de maneira tão esparsa, acidentada, “às fatias”, resulta num progressivo distanciamento do espectador em relação àquilo que, bolas, deve municiar e nos elevar num filme como este: o mundo interior das personagens e aquilo que as liga entre si. Por exemplo, sinto que tudo em Punch-Drunk Love nasce das personagens e daquilo que as liga ou que as desliga entre si (recordo o vilão sumptuoso interpretado por Philip Seymour Hoffman, aqui talvez comparável a Bradley Cooper, que encarna uma personagem igualmente intensa e interessante, mas que não creio sobreviver à pura caricatura clownesca, decididamente sem o mesmo pathos do madman interpretado por Hoffman).

Não sei se isto não se resume muito ao que dizes logo no início, em jeito de alerta: este não é um visionamento solto. E, acrescento, o visionamento solto que talvez o trailer, erradamente – enganadoramente, acrescento eu – tanto prometia. Confesso que cheguei a sentir, ao ver o trailer pela enésima vez, que este poderia ser o Summer of 42‘ (Verão 42, 1971) do PTA. No entanto, é bem verdade: a realidade é outra, já que o o filme resiste à empatia fácil, combate a nostalgia (mesmo sendo um retrato tão ou mais completo da LA dos anos 70 quanto o é o filme do Tarantino)… é, em certa medida, um filme em permanente contradição interna, com medo de ser o que se espera que seja. E até, lamento dizê-lo, com medo de ser um solto boy meets girl tirando máximo partido do carisma (que está lá, claro, mas nunca se cumpre, a meu ver) dos seus dois protagonistas improváveis, “encontrados”, interpretados pelo filho de Philip Seymour Hoffman, Cooper Hoffman, e Alana Haim (duas descobertas que, parece-me, PTA não quis, mais até do que “não soube”, celebrar convenientemente).

A equação desta decepção, como vês, é algo complexa e tem contornos tão épicos quanto o filme e o retrato de época… Enfim, ainda digiro esta pizza quatro estações, com alguns óptimos ingredientes mas massa mole da Telepizza…

Abraço,

Luís Mendonça 

Exmo. Dr. Luís, 

Folgo em lêr-te e muito me agrada descobrir algumas passagens da tua missiva. Puxando pelo novelo das tuas deixas, agarro na dúvida quanto ao enigmático título, Licorice Pizza.

A opção de não tradução por parte do distribuidor português é bastante compreensível: Pizza de Alcaçuz seria um título terrível. Parece-me que, ainda assim, o título é muito revelador do tom e dos intentos do filme e até serve como comentário à personagem principal masculina, o Gary (não tinha percebido que o miúdo era o filho do Hoffman – mas agora tudo faz um pouco mais de sentido…). Pizza e Alcaçuz são dois alimentos tipicamente adolescentes: um, salgado, gorduroso, cheio de pastoso queijo escorregadio e enchidos fatiados, o outro, doce, de textura próxima à do caramelo que se cola aos dentes, e com um aroma herbáceo, ao mesmo tempo amargo e enjoativamente açucarado. 

PTA procura identificar como essa náusea tomou de assalto uma cidade, uma indústria do entretenimento e uma certa ideia de “masculinidade”.

Esta improvável junção de opostos, doce e salgado, mas ambos no contexto dos interesses pubescentes, parece-me traduzir, em jeito de comparação (nem chega a ser metáfora) a relação de Gary com Alana – ainda que fique por perceber qual deles é o salgado e qual o doce. Mais, o título transmite, também, essa tensão que muito bem identificas, entre o meloso e o adstringente, entre o comfort food e ácido. Por fim, e talvez aqui se encontre o dito comentário ao protagonista: um restaurante com pizzas de alcaçuz seria um dos possíveis negócios mirabolantes do nosso imberbe vigarista, igualmente condenado ao fracasso, mas que teria, certamente, um mesmo entusiasmo inicial por parte dos seus púberes clientes. É curioso reconhecer, neste obscuro título, as várias matizes e paradoxos que revestem todo o filme, onde a aparente guloseima infantil se revela, afinal, uma insustentável forma de encarar a idade adulta. Para o palato juvenil, esses contrastes são uma iguaria, mas cedo se tornam em inqualificável náusea vomitiva. Parece-me que, no filme, PTA procura identificar como essa náusea tomou de assalto uma cidade, uma indústria do entretenimento e uma certa ideia de “masculinidade”. Até que ponto não é este filme uma alegoria à viragem adolescente de Hollywood, reduzida a filmes de super-heróis de collants?

Pegando noutra das pontas soltas desse novelo desiludido que me deixaste, e dando continuidade ao que acabo de escrever, de facto este Licorice Pizza é “uma espécie de documentário burlesco sobre uma cidade” – e sublinhe-se o burlesco. Enquanto assistia ao filme fiquei estarrecido pela sequência do camião. Construída, na parte final, em total silêncio, entre sons de pneus rangentes e de travões guinchantes, é um puro gag clownesco, que me fez pensar, em direto, no famoso gag do piano nas escadas, do Laurel e Hardy, vulgo, Bucha e Estica (que era, também, à sua maneira, “uma metáfora dos ups and downs da vida entrelaçada dos dois protagonistas” a partir dos desníveis topográficos de LA). Só que, se para o duo mudo o risco era partir alguns dedos do pé, estragar o móvel, ou abalroar um transeunte, aqui trata-se da morte aparatosa dos vários passageiros menores dessa carrinha de mudanças, e o estrepitoso choque com outro automóvel ou algum edifício. E há qualquer coisa de dupla cómica entre Gary e Alana. Ele, Gary/Hardy, espalhafatoso, confiante, inconsciente, apalhaçado, ela/Laurel (dos palhaços silenciosos, Stan Laurel guarda o recorde de maior número de cenas travestidas), moderada, inocente, insegura e séria. Será que Hardy é a pizza e Laurel o alcaçuz?

O certo é que, sem ser PTA, só mesmo o Blade Edwards se interessou por atualizar e convocar a dupla Bucha e Estica para a Los Angeles dos anos 1960/1970 (Edwards, em direto, PTA em diferido). Penso, claro, em The Great Race (A Grande Corrida à Volta do Mundo, 1965), que é uma ode ao trabalho desse duo, e não seria um ótimo título para este Licorice Pizza? Não estava bem à espera deste “descaminho” cómico do PTA, mas o certo é que ainda não me consegui posicionar perante o filme, e o visionamento já foi há uma semana…

Um abraço cheio de dúvidas,

Ricardo

Caro Mestre Ricky,

Pois, mas olha que esta troca de missivas já me fez bem ao espírito e, em certa medida, fez-me “dominar” um pouco essa desilusão que apontava para muitos lados ao mesmo tempo, mal saí da sala e me pus a reflectir sobre o que havia sentido ou sobre o que não havia sentido. É engraçado que fazer sentido e produzir sentimento sejam coisas não necessariamente convergentes. O camarada Vasco Baptista Marques contava que teve uma reacção ao filme talvez não muito diferente da tua: demorou a processar aquela “corrida” toda (é bem citado o título do Edwards e acertas em cheio com a desconstrução burlesca do filme do PTA). Portanto, talvez seja mais um The Master: filme que sobrecarreguei com a minha própria (e desmesurada) expectativa, para depois me “espetar” com uma desilusão das grandes. No entanto, à medida que o tempo passava, reflectia e lia sobre o filme (por ex., lia o magnífico texto do Guillaume para o Dossier Fotograma, Meu Amor), a minha percepção mudava e começava a ponderar uma revisão acompanhada de uma bela reavaliação, aberto a ter de dar o braço a torcer no fim. Quem sabe, Licorice não é mais um desses filmes cujo sentido – e o sentimento – eu só apanho à medida que ele “cresce em mim”, fazendo como estou a fazer agora contigo: falando sobre ele, percebendo os sentidos contrários que suscitou em mim…

Não me senti, para citar o título português de Punch-Drunk Love, embriagado de amor ao assistir a esta história que resulta, de facto, numa grande correria rumo a não se sabe bem o quê.

Voltamos à tua verificação justa: não é um visionamento solto. Não é, sequer, a meu ver, o filme fácil e consensual que muitos poderão achar que seja (não o tendo visto ainda). Um alerta prévio talvez faça bem ao espectador incauto ou demasiado embriagado com altas expectativas. 

Há um aspecto que queria ainda trazer para esta conversa: a sensação de que, como num filme de Hal Ashby [pensei muito no Shampoo (1975)], a trela dada aos actores foi muito longa e que esses mesmos actores – face à sua natural “impreparação”, ou amadorismo – não souberam sempre dar conta do recado. Sinto essa “falta de escrita” na direcção dos actores, ausência perniciosa do lado mais romanesco presente nalgumas obras-primas de PTA, tais como MagnoliaThere Will Be Blood, Punch-Drunk Love Phantom Thread. Por exemplo, esperava outro cuidado na escrita de diálogos – não sei quanto espaço foi dado à improvisação, mas sinto que foi demasiado, sobretudo para actores tão “verdes”. Um filme mais “romanesco” permitiria talvez fortalecer a tal ligação entre os protagonistas, torná-los mais eloquentes, à falta dos recursos que apresentam neste momento (porque, repito, o carisma dos dois está lá, mas não é suficientemente “canalizado” em benefício da tal química amorosa). Não me senti, para citar o título português de Punch-Drunk Love, embriagado de amor ao assistir a esta história que resulta, de facto, numa grande correria rumo a não se sabe bem o quê; rumo à sensação de que o filme “nos passou ao lado”, foi como uma corrente de ar. Ou, enfim, uma pizza fast food.

Mas arrisca aí falar um pouco do deve e haver na tua relação com o filme e como o “posicionas” na obra do PTA, no que ela já te deu e pode vir a dar.

Abraço doutorado ao mestre da culinária fílmica,

Luís M.

Desiludido Luís,

Na verdade, acho que a minha relação com quase todos os filmes do PTA tem tido sempre construída em partes iguais pela experiência em sala e pela experiência “exterior”. Isto é, se bem me recordo, todos os filmes se modificaram na minha memória à medida que ia refletindo sobre eles, a posteriori. Por exemplo, Phantom Thread é um filme de uma extraordinária complexidade e perversidade que um olhar rápido não consegue descortinar completamente. O mesmo com The Master. Acho-o um realizador sobremaneira inteligente e tudo aquilo que pode, num primeiro impacto, parecer despropositado, acaba por se revelar, num segundo momento, como algo bastante revelador sobre a própria natureza das personagens, da narrativa, ou do filme enquanto construção formal. Este Licorice Pizza não me parece diferente, ainda que talvez seja feito de maiores subtilezas ou tudo está, afinal, ainda mais bem camuflado do que é costume. Como te digo, o retrato de Gary é de uma (apenas) aparente doçura: tudo é, no fim de contas, cruel.

Toda aquela correria (que na sequência final ganha uma dimensão quase vídeo-ensaística) assemelha-se àquele extraordinário vídeo para o Daydreaming dos Radiohead: uma sucessão de portas e corredores, percorridos num contínuo infinito e labiríntico, que atravessa lugares, tempos, estações e paisagens.

À medida que vou refletindo sobre o filme, fico com a sensação que aquilo que produz um efeito de camuflagem mais perfeito é a cobertura envernizada que PTA aplica sobre a superfície do filme, dando-lhe um ar açucarado de pastelaria. Sendo que essa camada brilhante é, no fundo, uma importação, para para o seu cinema de ficção, daquilo que vem sendo a sua prática no videoclipe. Toda aquela correria (que na sequência final ganha uma dimensão quase vídeo-ensaística e autorreflexiva) assemelha-se àquele extraordinário vídeo para o Daydreaming dos Radiohead: uma sucessão de portas e corredores, percorridos num contínuo infinito e labiríntico, que atravessa lugares, tempos, estações e paisagens.

Mas aquilo que dizes sobre os atores terem demasiada trela é muito justo. Por acaso li ontem uma crítica do grande Vincent Canby, para o The New York Times, sobre o Madame Bovary (1991), do Claude Chabrol, com a Isabelle Huppert. Ele escreveu, sobre esse filme, algo que se aplica muito a este: a presença estoica e exuberante da atriz não coincidia com o drama e as fragilidades da personagem. Em Licorice Pizza creio que também a Alana Haim é demasiado despachada, resolvida e solta (de novo esse adjetivo) para que Alana Kane (a personagem) seja tão dependente dos homens (e rapazes) que a rodeiam. Como se costuma dizer, não bate a bota com a perdigota. À força de querer fazer um retrato de uma jovem mulher emancipada, constrói-se uma contradição fundamental na natureza da personagem. Só que – e é isso que talvez seja mais perturbador em PTA – esse aparente paradoxo talvez seja um comentário sobre a superficialidade desse discurso feminista, em plenos anos 1970.

Não me parece que acabar com uma visão tão negativa das coisas seja um bom remate para esta nossa troca, por isso chuta aí um balázio.

Um forte abraço do bi-mestre ao senhor professor,

Ricardo

Caríssimo Curador Lisboa,

O que dizes define e ultrapassa este sabor tão chato a desilusão com que fiquei… Porque é isso que dizes: por muito que mergulhe a fundo, tentando perceber o que me fez reagir mal a esta experiência, mais sou reenviado às superfícies, que são, como é hábito no seu cinema, muitíssimo sedutoras. E essas superfícies dizem respeito, claro, ao próprio grão (à luminosidade e cores do filme), mas também aos corpos dos actores, que resistem sempre ao absolutamente caricatural, que parecem gritar uma espécie de frescura ou jovialidade (pura energia cinética) que é tão, mas tão rara no cinema americano de hoje em dia… Acho que há uma sedução, que não morre de facto, pela possibilidade que o filme encerra, cena após cena, mas também sobrevém um sentimento de que essa promessa reluzente nunca se materializa ou causa verdadeiros abalos – falavas do ingrediente magnífico da “perversidade” no Phantom Thread, pois é esse “ingrediente mágico” que sinto em falta nesta épica e vertiginosa correria histórica e histérica (algo saturante)… e vagamente sentimental chamada Licorice Pizza.

Sim, eu queria mais cuteness, queria mais harmonia narrativa (saudoso “efeito Altman” no cinema do discípulo PTA), queria mais ritmo e música nas imagens, integrada, blended in.

Também percebo bem o que dizes sobre a linguagem do videoclipe, citando o magnífico Daydreaming dos Radiohead. No entanto, nada no filme é “harmonioso”. Recapitulando, o filme não quer ser cute, não quer ser só doce, porque também gosta de sabores amargos e estranhos, e, voilà, também acho que não chega a ser um filme musical – o próprio papel da música é algo subsidiário e… confuso. Se comparares a maneira como a música do Jonny Greenwood, dos mesmos Radiohead, entra neste filme com a banda sonora original da sua autoria em Phantom Thread encontras, creio, pistas sobre o seguinte: a música de Phantom Thread serpenteia o filme de maneira tão intensa e erótica… Complementa e intoxica a história que é contada, com as tais pitadas sirkianamente magníficas de perversidade…

Ora, em Licorice Pizza temos um “jukebox movie”, em que a música “serve” cenas de transição histórica, sem que propriamente se saiba “misturar” com as imagens e fazer implodir o grão da imagem. Agora que revia Punch-Drunk Love, sentia de maneira poderosíssima esse sentido de unidade imagem-música, uma perfeita harmonia desarmoniosa – anti-videoclipe – já que a música “emana” do mundo da personagem “muito Blake Edwards”, na realidade. A música de Jon Brion tem corpo e é incrivelmente disruptiva (temperamental e actuante), qual personagem no tecido do filme, “entretecendo-o” de maneira ritmada mas também inconstante, muito imprevisível – o papel da colaboradora/namorada Fiona Apple, tenho a certeza, não foi despiciendo ali.

Posto isto, sim, eu queria mais cuteness, queria mais harmonia narrativa (saudoso “efeito Altman” no cinema do discípulo PTA), queria mais ritmo e música nas imagens, integrada, blended in. Tudo isto, em suma, num mundo emanado das personagens e não num mundo onde as personagens estão à solta, rodeadas e, enfim, esmagadas por décors – e o seu “texto histórico”… – que se elevam algo indiferentes à sua passagem. 

Abraço açucarado,

Luís Mendonça 

Querido Luís,

A vida é mesmo assim, não como uma caixinha de chocolates, mas como uma caixa de pizza. Quando a recebes do entregador nunca sabes, ao certo, o que tem dentro. Umas vezes trazem-te a desejada pizza com anchovas e alcaparras, outras vezes enganam-se e metem-lhe alcaçuz. Cabe-nos comer e… não calar. Continuemos esta conversa à mesa, um dias destes. Conheço uma pizzaria ótima.

Um abraço,

Ricardo

Man,

Adoro anchovas e alcaparras!

I’m in. Pagas tu, ok? 

Abraço,

LM

[Actualização do dia 28 de Janeiro] O leitor não se deve apoquentar com a preguiça dos nossos walshianos, que não se deram ao trabalho de “googlar” o significado do título do filme de PTA. Aliás, já haviam sido devidamente avisados pelo atento e informado editor walshiano, João Araújo, sobre “o verdadeiro” significado do título: “Do que li, parece que a origem do título para o PTA é uma private joke, que “licorice pizza” é uma espécie de alcunha para long play (LP abreviado), um álbum de música em vinil, por ter a mesma forma (preto como o alcaçuz, e redondo). Private joke também porque era o nome de uma loja de discos que ele frequentava em miúdo.” Pois é, mas a troca de cartas é genuína tal como a ignorância dos correspondentes, nessa altura, sobre a verdade verdadeira dos factos. Fica a interpretação gastronómica tão falsa e pouco fiável quanto a promessa de Ricardo Vieira Lisboa de levar Luís Mendonça a jantar numa óptima pizzaria. Deliciosa invenção, ainda assim.

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sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Música para palavras sem tradução - PÚBLICO - Dicionário

Existem palavras que não têm tradução directa, palavras que referem situações específicas, palavras que só existem em determinadas culturas. Estas palavras intraduzíveis foram a inspiração para o mais recente trabalho do contrabaixista André Carvalho, apropriadamente intitulado Lost In Translation. Músico português radicado em Nova Iorque, Carvalho escolheu algumas destas palavras e escreveu música original para cada uma delas. Seleccionou um total de doze palavras, oriundas de dez línguas diferentes: “Luftmensch”, “Kilig”, “Uitwaaien”, “Goya”, “Alcheringa”, “Kalpa”, “Karelu”, “Murr-ma”, “Mångata”, “Boketto”, “Resfeber” e “Wabi-sabi”.

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quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Amarelo, rosa e branco: entenda o significado de cada cor do leite materno - Bebe.com.br - inglês

Entre os processos de desconstrução vividos na maternidade, está o entendimento de que a amamentação é uma jornada diária, em que cada mãe precisa descobrir o que funciona para si. Não por acaso, nesta fase, as mulheres podem ser surpreendidas por alterações em seus organismos, como é o caso da cor do leite materno, que muda conforme os hábitos da lactante.

Ainda que sejam alterações sutis de um tom para outro, isso acontece porque as mamas são glândulas excretoras, como lembra a pediatra Honorina de Almeida, da Casa Curumin e membro do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP).

“Quando a mãe ingere grande quantidade de um alimento que tem um corante em específico, ele fica pelo sangue dela. Só que como o leite materno é feito por componentes que estão circulando neste sangue, a substância passa para ele e pode haver uma variação de cores”, detalha a especialista.

Abaixo, listamos tons comuns que o alimento do bebê pode adquirir e o porquê de cada um aparecer. Mas tenha sempre em mente que estas mudanças de uma cor para outra são suaves, ficando mais perceptíveis quando a mãe coleta um pouco deste leite em um copo para observá-lo de perto.

1. Amarelo 

A pediatra Marisa Aprile, especialista em amamentação e diretora do Banco de Leite do Hospital Mário Covas, explica que o primeiro leite que a mãe tem é o colostro. Ele é amarelado, mas engana-se quem pensa que é por ser muito gorduroso. O tom se dá porque é um alimento bastante denso e com bastante proteína para o recém-nascido.

Mais tarde, no decorrer da amamentação, o leite materno pode vir a ser amarelo como resultado da alimentação da mãe, caso ela consuma algo que tenha este pigmento.

2. Branco 

Em uma mamada esperada, Marisa pontua que o início da extração é marcado por um leite branco mais claro, porque é a parte que tem mais água – inclusive, é por este motivo que não é necessário oferecer outros líquidos para hidratar o bebê durante o aleitamento materno exclusivo.

“Conforme o seio vai esvaziando, o leite começa a ficar mais branco, porque tem cálcio, fósforo e gorduras. Portanto, ele vai ficando mais espesso e leitoso”, completa a pediatra.

3. Verde e azul

Ainda que possa soar estranho imaginar o leite materno nestas duas colorações, pode acontecer. Com uma alimentação regada a vegetais, por exemplo, o alimento do bebê pode acabar tendo um tom mais esverdeado. Já o azul está mais ligado a ingredientes industrializados ingeridos pela mãe, que possuem este pigmento.

4. Rosa claro

Além da aparição da cor estar relacionada aos hábitos alimentares maternos, como consumo de vegetais avermelhados, as duas especialistas chamam atenção para o rosa claro também ser indício de presença de sangue no leite materno.

“O leite sai na cor adequada do local em que é produzido. Mas quando ele passa pelo ducto mamário para chegar até o mamilo, ele pode se misturar com um pequeno sangramento que já estava ali e sair rosa”, esclarece Honorina. Para se ter certeza que este é o caso da mãe, a pediatra orienta a lactante a fazer uma pequena extração do leite materno em um copo e observar a coloração.

Caso perceba que ele realmente está rosa, Marisa aconselha a procurar por orientação médica para descobrir o porquê disso estar acontecendo. “Pode ser só uma fissura mamária, mas também um tumor ou vasos que arrebentaram“, completa a pediatra.

5. Marrom

Já o marrom pode ser interpretado como uma gradação do rosa claro, em que dificilmente é associado com a alimentação da mãe. A sua aparição está diretamente ligada com a presença de sangue no leite materno e é aconselhado que a lactante procure pelo pediatra do filho para conversar sobre o que está acontecendo.

As mudanças de cor do leite materno fazem mal para o bebê?

Ainda que possa soar estranho saber que o alimento do pequeno pode ter vários tons, as especialistas explicam que o leite materno continua sendo uma fonte de ouro para alimentação dos bebês, independente da cor que tenha. No entanto, há uma ressalva para o rosa claro e marrom.

“O nosso estômago não é muito bom para digerir sangue cru, então, alguns bebês que mamam estes leites vomitam. Quando isso acontece, fica a dúvida se a excreção rosa veio do estômago do bebê ou é por causa do leite da mãe”, pontua Marisa.

Neste caso, é importante coletar um pouco do alimento do pequeno para tirar a dúvida e, novamente, procurar pelo especialista mais próximo que irá ajudá-la a identificar a causa do sangramento, caso a coloração seja proveniente do leite.

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Poesia “cubista” de Gertrude Stein publicada pela primeira vez em Portugal - PÚBLICO - Dicionário

Tenros Botões, um livro de poesia da escritora e coleccionadora de arte norte-americana Gertrude Stein, publicado originalmente há mais de cem anos, vai ser pela primeira vez editado em Portugal, numa tradução de João Concha e Ricardo Marques a ser lançada em Fevereiro pela (não)edições.

Datado de 1914, Tenros Botões (Tender Buttons) é composto por poemas em prosa que funcionam como pequenos quadros cubistas, nos quais o olhar percorre cada elemento de maneira a formar uma (ou mais do que uma) narrativa, explica a editora portuguesa.

O livro compõe-se de três partes –​ Objectos, Alimentos e Quartos – e está escrito de uma forma muito particular: a poeta usa uma linguagem experimental, recorrendo a repetições, abstracções, onomatopeias e ao que se designou de “cubismo verbal”, ao ponto de esta ter sido classificada como uma obra-prima da literatura cubista.

Tenros Botões” conta-se entre as obras mais profundamente influenciadas pelo cubismo, porque “leva a fragmentação e a abstrcação ao extremo”, observa a (não)edições. “Os textos assentam na observação instável e a diversos tempos de objectos inanimados, modos de cozinhar e hábitos gastronómicos, ou ainda detalhes arquitectónicos indissociáveis da própria deslocação do corpo ou do olhar”.

Ao fim de mais de um século, este livro de poesia, que agora se poderá finalmente ler em português, continua a causar escândalo, o que se prende com a rasura que Gertrude Stein faz das convenções poéticas. “Limando a linguagem até ao osso, a autora mostra ludicamente como a poesia é, antes de mais, música transferência, transformação e tudo isso junto”, diz a editora.

Patrona das artes

Gertrude Stein foi uma das personalidades mais importantes para o fomento da arte no início do século XX, tendo-se relacionado com expoentes da arte e da literatura modernista, de Picasso a Ernest Hemingway, passando por F. Scott Fitzgerald, Sinclair Lewis, Ezra Pound ou Henri Matisse. Do seu círculo de amigos faziam ainda parte nomes como Georges Braque, Derain, Juan Gris, Apollinaire, Francis Picabia e James Joyce.

Nascida a 3 de Fevereiro de 1874, na Pensilvânia, no seio de uma próspera família americana de origem judaica alemã, Gertrude Stein viveu os primeiros anos de vida em Viena e em Paris, mudando-se com a família para os Estados Unidos, em 1879, onde começou a frequentar a escola.

Revelando-se boa aluna, estudou Psicologia e Medicina, mas não terminou nenhum dos cursos e, aos 29 anos, estabeleceu-se em Paris, onde começou a escrever de forma consistente e desenvolveu uma faceta de coleccionadora e patrona das letras e artes, em especial dos cubistas.

Permaneceu em Paris até ao final da vida, fazendo de sua casa um dos mais míticos salões artísticos do século XX, e deixou uma obra vasta e “profundamente original”, que inclui, além de Tenros Botões, títulos como Three Lives (1909) e The Making of Americans (1925) ou ainda Paris França (1940) e A Autobiografia de Alice B. Toklas, dois títulos disponíveis em edições da Relógio D'Água.

Romances em verso

Com capas e desenhos a partir de pintura de Juan Gris, Tenros botões será publicado na Traditore, a colecção que a (não)edições dedica a traduções de poesia.

Nesta mesma colecção, foi publicado em Outubro de 2021 mais um livro da poeta e ensaísta canadiana Anne Carson, distinguida no ano passado em Espanha com o Prémio Princesa das Astúrias para as Letras 2020, e cujas únicas traduções portuguesas estão a ser feitas pela (não)edições. Vidro, Ironia e Deus juntou-se assim aos livros A Beleza do Marido e Autobiografia do Vermelho, primeiros livros de Anne Carson a serem editados em Portugal.

Com tradução da poeta e ensaísta Tatiana Faia, Vidro, Ironia e Deus é uma obra em que a autora entretece diversos fios poéticos, antigos e contemporâneos, num conjunto de seis textos: cinco longos poemas e um ensaio final em prosa. Aqui se incluem O Ensaio de Vidro, sobre o fim de um amor contado a partir de leituras de Emily Brontë, Homens da TV, onde Heitor de Tróia, Artaud e Safo, entre outros, figuram como personagens televisivas, ou A Queda de Roma, a propósito de uma viagem de Carson para descobrir a cidade e a sua tentativa de ultrapassar a terrível alienação que aí sentiu.

A poesia de Anne Carson tem sido caracterizada pelos críticos como ensaios, pequenas palestras ou narrativas em verso escritas numa voz singular.

Autobiografia do Vermelho, publicado em 2017, com tradução de João Concha e Ricardo Marques, é um “romance em verso” levemente baseado no episódio da mitologia grega relativo ao décimo trabalho de Hércules, no qual este semideus tem de matar um monstro alado vermelho, que vive numa ilha vermelha a pastorear gado vermelho.

A Beleza do Marido, publicado em 2019 e também traduzido por Tatiana Faia, é um ensaio ficcional em 29 tangos, como lhe chama a própria autora, que tem como ponto de partida a noção do poeta oitocentista inglês John Keats sobre a verdade e o poder da beleza.

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