A noite dos Globos de Ouro deste ano foi diferente do habitual, culpa da pandemia. Não deixou de haver surpresas entre os vencedores mas, na maioria dos casos, as previsões confirmaram-se. Foi o caso de uma atriz em particular que se tornou, no último ano, um dos rostos mais conhecidos da televisão.
2020 foi um período especialmente feliz para as minisséries. Não foi por isso acaso estar aqui uma das mais competitivas categorias dos Globos de Ouro. Entre as nomeadas havia nomes consagrados, como Cate Blanchett e Nicole Kidman, e nomes em ascensão, como Daisy Edgar-Jones ou Shira Haas. Mas 2020 foi o ano em que “Gambito de Dama” nos pôs a olhar para um tabuleiro de xadrez de forma inédita. O que quer dizer que este era mesmo o ano de Anya-Taylor Joy.
Numa cerimónia à distância, em que muitos convidados se vestiram de gala para participar na cerimónia a partir do sofá de casa, a atriz emocionou-se na hora de receber o prémio de Melhor Atriz de Minissérie. Agradeceu a colegas e a toda a equipa com quem trabalhou, agradeceu a Beth, a personagem a que deu vida, e aos fãs.
“É incrível que tanta gente tenha visto a série mas eu era capaz de fazer este projeto uma e outra vez. Aprendi tanto, estou tão agradecida. Obrigado a quem viu”, repetia. Até ao ponto em que se começou a ouvir, primeiro ao longe de depois cada vez mais perto, a música que vai empurrando os convidados para longe do palco (ou neste caso para longe do ecrã). Emocionada, a atriz não se calava. Porém, nem sempre foi assim. Houve até um dia em que Anya-Taylor Joy se calou. E durante dois anos recusou-se a falar inglês.
Taylor-Joy era a mais nova de seis filhos. A mãe da atriz era psicóloga, o pai era banqueiro e corredor de desportos motonáuticos. Ela era ainda bebé quando a família se mudou de Miami, no EUA, para Buenos Aires, na Argentina.
Na América do Sul, a sua vida era qualquer coisa de “idílico”, como a própria descreveu numa entrevista ao “The Wall Street Journal” onde falou sobre aqueles estranhos dois anos que se seguiriam. Em Buenos Aires, recordava, “andava muito a cavalo, havia muitos animais”. Era um mundo especial. Aos seis anos, a família mudou-se para Londres. Aquele mundo de animais era trocado pela da vida de cidade.
“A mudança [para Londres] foi muito traumática”, recordava. “De um momento para o outro estava nesta cidade enorme e intensa”. Foi então que, com apenas seis anos, mostrou um seu lado particularmente obstinado. Durante dois anos recusou-se pura e simplesmente a falar em inglês. A ideia era simples: se ela não falasse nada de inglês, os pais teriam de a levar de volta à Argentina, certo?
Não foi isso que aconteceu. Passados aqueles dois anos, a jovem Anya-Taylor lá se adaptou. Hoje em dia a família fala um misto de espanhol e inglês quando estão juntos. Mas talvez houvesse naquela obstinação infantil o prenúncio de algo.
Sem qualquer tipo de treino ou formação como atriz, além de um par de aulas de teatro na escola, era uma adolescente quando apareceu nas primeiras audições. Tinha apenas 18 anos quando se mudou sozinha para o Canadá rural para filmar “The Witch”, produção independente que se tornou num clássico sóbrio de terror e que catapultou fez de Robert Eggers um dos mais promissores cineastas da sua geração.
No espaço de meia dúzia de anos, é em inglês que a atriz se destaca, seja a trabalhar com M. Night Shyamalan, em “Fragmentado”, como americana na Inglaterra de gangsters dos anos 1930, em “Peaky Blinders” ou como prodígio inesperado de xadrez em “Gambito de Dama”. Em breve vamos ver o seu talento num delicioso mundo desolado.
Foi ela a escolhida para assumir o papel de Furiosa na prequela de “Mad Max: Fury Road”, realizado e escrito por George Miller. É até bem possível que a vejamos com poucas palavras, à imagem de Tom Hardy e Charlize Theron no filme original. Mas o talento está lá ao todo.
Aos 24 anos, a atriz é já uma certeza que o Globo de Ouro apenas veio confirmar. E adivinha-se que será apenas um de muitos prémios nos próximos anos. A tal mudança para Londres até pode ter sido difícil, mas é a própria que reconhece que a ajudou a conhecer-se a si própria.