domingo, 12 de novembro de 2023

João Campos e o significado profundo de uma imagem gigante de Naná Vasconcelos no Recife - JC Online - inglês

Depois do gol de placa com o destravamento do Parque da Tamarineira, o jovem prefeito do Recife João Campos realizou mais uma iniciativa digna de destaque e elogio ao mandar colocar uma imagem gigante do artista Naná Vasconcelos em pleno coração da capital pernambucana.

Com inteligência e humildade, João Campos está se especializando em transformar os limões recebidos a frente do cargo em limonadas.

Para quem não tomou conhecimento, o percussionista Juvenal de Holanda Vasconcelos, conhecido mundialmente como Naná Vasconcelos, acaba de ganhar uma homenagem no centro do Recife, através do megamural intitulado “Naná Vasconcelos, Sinfonia e Batuques”, de autoria da artista Micaela Almeida.

A pintura muralista destaca o músico recifense com o seu inseparável berimbau, preenchendo os 200m² da fachada do Edifício Guiomar, localizado no bairro da Boa Vista, em frente ao Parque 13 de Maio, nas proximidades da Faculdade de Direito do Recife.

O que poucas pessoas sabem é a ideia do Naná gigante nasceu de uma cobrança do setor cultural e do movimento negro da capital ao secretário de Cultura do Recife, Ricardo Mello.

O artista Marrom Brasileiro, parceiro musical de Naná por anos e que chegou a abrir o carnaval do Recife, substituindo o percussionista após sua morte, disse a Ricardo Mello, como uma espécie de porta voz, que a escultura do artista estava "escondida" no Recife Antigo. O jornalista e professor levou a demanda ao prefeito.

"Ah,é? Deixa comigo", comentou João Campos, ao ser informado do entendimento. Iniciada em 28 de outubro, a obra de arte foi concluída em apenas 10 dias.

A iniciativa promovida pela Prefeitura do Recife, por meio da Secretaria Executiva de Inovação Urbana (Seiurb), foi autorizada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

O astronauta negro que quase foi para o espaço e a importância das esculturas em praça pública

Se o amigo leitor é daqueles que não presta atenção em estátuas ou acha que imagens em praças públicas são algo sem importância, valeria a pena refletir sobre a história do americano Ed Dwight Jr, contada magistralmente no episódio Breaking Boundaries, no Duolingo.

Em 1961, Ed Dwight foi convidado para se inscrever num programa de treinamento da Nasa, a agência espacial norte-americana. Não havia, nos Estados Unidos, nenhum astronauta negro. Se entrasse nesse programa, Ed Ed Dwight poderia me tornar o primeiro astronauta negro do mundo!

Em Kansas City, lugar de onde ele vinha, fizeram uma grande festa, e saiu uma matéria sobre ele no jornal. "Eu seria o primeiro homem negro no espaço!

Os Estados Unidos têm uma longa tradição de luta pelos direitos civis (civil rights), mas, em 1961, a ideia de um astronauta negro era impensável. O Congresso dos Estados Unidos levou mais quatro anos para aprovar uma lei de direitos civis proibindo a discriminação de raça ou gênero no trabalho.

A Nasa tinha enviado o primeiro astronauta norte-americano ao espaço em 1961… um mês depois da União Soviética. Era a época da corrida espacial.

O presidente John F. Kennedy queria ajudar a comunidade negra, conversou com os líderes dos direitos civis. Eles pensaram que um astronauta negro poderia inspirar muitos negros que queriam estudar matemática, ciências e engenharia.

O presidente Kennedy - aquele mesmo que virou nome de avenida em Olinda ali próximo a comunidade e Nação Xambá,  disse à Força Aérea para encontrar um piloto negro para o novo programa da NASA. Na época, havia apenas 125 pilotos negros em todo o mundo.

Ed passou dois anos se preparando para ser astronauta... até a fatídica sexta-feira de 22 de novembro de 1963, quando o presidente Kennedy foi assassinado, há 60 anos.

"Depois disso, tudo mudou. Quando o vice-presidente Johnson (Lyndon B. Johnson) se tornou o novo presidente, fui pressionado a abandonar o programa de treinamento espacial. Eu não queria ir embora e foi muito difícil para mim. Mas eu fui embora. Percebi que a NASA nunca quis realmente um astronauta negro", afirmou. Demorou mais vinte anos pra Nasa enviar a primeira pessoa negra ao espaço (junto com a primeira mulher).

Luta pela igualdade de direitos por meio da arte

Depois que sua carreira como astronauta terminou, morando no Colorado, Ed decidiu voltar ao primeiro sonho, ser artista. Quando era criança, ele queria ser artista. A estreia de Ed no mundo das artes aconteceu graças a um encontro com George Brown, o primeiro vice-governador negro do estado do Colorado.

Em uma festa, George Brown contou que o estado queria que um artista fizesse uma escultura dele para colocar em Denver, capital do estado do Colorado. Ele iria fazer isso. Embora soubesse pintar, Ed não sabia esculpir. Ele recusou a oferta, mas George Brown não aceitou “não” como resposta.

"George me disse: Ed, os negros estão na América do Norte há 350 anos. Construímos este país quando éramos escravos. Mas ninguém fala sobre todas as coisas incríveis que os negros fizeram. Se você for a um museu, a uma galeria ou a uma praça da cidade, não verá estátuas de homens ou mulheres negras. Então, você deveria passar o resto da sua vida mostrando o que os negros fizeram na história.”

Ed fez a estátua do vice-governador e começou a fazer aulas de escultura na universidade de Denver. Ele dedicou sua carreira a fazer esculturas de líderes negros, tendo mais de 130 estátuas memoriais. Qual é a escultura preferida de Ed? "Barack Obama, the first black president of the United States".

"Não tive permissão para ser o primeiro homem negro no espaço, mas usei meus talentos artísticos para mostrar todas as coisas incríveis que os negros americanos fizeram. Então, de certa forma, realizei meu sonho", ele disse.

NATHALIA MARTINS/DIVULGAÇÃO
MOSTRA Fotos de Naná Vasconcelos num workshop formam uma das exposições de reabertura - NATHALIA MARTINS/DIVULGAÇÃO

Um marco na história da cidade e do Estado de Pernambuco

De volta ao Recife de 2023, dá para entender a importância da homenagem ao percussionista.

“Tive a felicidade de dividir 18 anos da minha vida profissional com Naná Vasconcelos. Além de ser sua companheira de trabalho, fui sua amiga nessa terra. Então, celebro esse mês de novembro com muita alegria e gosto de vitória por saber que uma rua do centro da cidade abriga hoje a cara preta de um homem que fez história no nosso país e no mundo. Essa referência que o Recife tem, sobretudo para o povo preto, precisa ser enxergada diariamente”, comentou a cantora, atriz e artista plástica Paz Brandão, ex-integrante do Grupo Voz Nagô, que acompanhou o percussionista em shows e parcerias musicais, e que também participou do projeto.

Esta é a primeira vez que uma obra dessa magnitude é dedicada ao único artista brasileiro a receber oito prêmios do Grammy e a conquistar o título de maior percussionista do mundo por oito vezes pela revista Down Beat.

Às vésperas de completar 80 anos de legado, Naná Vasconcelos continua a ser uma figura inspiradora e influente no cenário artístico e musical.

"Acho que Pernambuco e Recife deviam isso e ainda devem muito mais em prol do seu legado. É bastante simbólico também porque estamos no Mês da Consciência Negra", declarou à PCR Patrícia Vasconcelos, esposa e responsável pelo acervo de Naná.

A boa notícia é que mais três megamurais já estão em andamento para inaugurar ainda este ano.

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