terça-feira, 28 de novembro de 2023

O significado do centro político - Expresso - inglês

Vivemos um novo ciclo democrático em Portugal, com eleições legislativas e europeias, antecedidas de eleições internas no, até ao momento, principal partido do sistema político.

Para alguns, será tão só o fim do ciclo partidário iniciado entre nós com a Constituinte, mas a verdade é que, por esse mundo fora, se acentuam os extremos no debate político, com crescente animosidade na esfera pública. A verdade é que estamos num tempo em que se acentua a tendência para o choque de identidades, particularismos, ruturas culturais, contra a velha esperança no consenso comunicativo, no universalismo e no convívio salutar através do direito.

Por isso, com o medo da pandemia e agora face às guerras que regressaram ao espaço ocidental, muitos anseiam pela moderação, pela busca do centro perdido, qual via para voltar a cimentar as nossas sociedades na tolerância, liberdade e igualdade de oportunidades.

Para estes, o grande risco, como se observa na história, é o de cairmos, primeiro, na demagogia e, por fim, numa qualquer ditadura pretensamente regeneradora, pois qualquer sociedade dividida ao meio, fortemente polarizada, é uma sociedade difícil de governar em democracia e liberdade.

É certo que a pretensa radicalização do espaço público nem sempre faz dos seus protagonistas entidades antidemocráticas, mas sim, porventura, antiliberais. E o crescimento de soluções governativas com essa cartilha, como se viu nas últimas eleições italianas, suecas, dinamarquesas, espanholas e neerlandesas, apenas espelha o ar do tempo, um regresso do ciclo autoritário, recorrente na história contemporânea dos povos europeus.

Servindo a democracia para afastar os maus governos de forma pacífica, é precisamente para enfrentar este regresso do autoritarismo e dos seus efeitos nefastos que faz sentido fortalecer o centro político, quer mais à esquerda, quer mais à direita.

Primeiro, porque enquanto espaço referencial, o centro não constitui um todo compacto, onde não existe diferença nem tensão. Antes pelo contrário, dentro do centro, também existem divergências, choques, fissuras. E esse centro, alargado, é hoje o rosto cívico de uma nova classe média, sociologicamente mais heterogénea, mais móvel, menos dependente do lastro patrimonial e mais influenciada pelo estilo de vida.

Segundo, porque defender a atualidade e necessidade do centro político, não dispensa a diversidade dos partidos. O centro político não pode ser sinal de imobilismo, concentração de poder, falta de transparência ou um mero rotativismo.

Terceiro, porque foi o centro político que estabilizou os Estados Unidos da América depois da independência. Foi o centro político que garantiu a perenidade do chamado modelo de Westminster vigente no Reino Unido. Foi o centro político a razão do reconhecido sucesso das democracias liberais do arco escandinavo ou da Alemanha depois da Segunda Guerra.

Por fim, porque Portugal durante toda a Terceira República, com exceção do penúltimo governo, também tem sido um caso de escolhas eleitorais ao centro, tanto em eleições legislativas, como em eleições presidenciais.

Assim, embora bons exemplos passados não garantam sucessos futuros, tenho esperança de que as atuais campanhas partidárias em curso sejam um espelho do significado de centro político.

Ou seja, se no caso do Partido Socialista a consolidação do poder apenas se fará pela conquista e manutenção do centro, vindo da esquerda, já no caso do principal partido da oposição, o Partido Social-Democrata, a vitória só resultará do movimento inverso, isto é, se este crescer do centro para a direita.

Por outras palavras e de modo mais prosaico: os socialistas têm de abandonar o socialismo, metendo-o definitivamente na gaveta, tornando-se sociais-democratas e os atuais sociais-democratas têm de regressar à sua identidade mais alargada, a matriz de partido popular.

O primeiro, abandonando a nostalgia marxista-leninista, simbolizada na aliança com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista; o segundo esvaziando a agenda política do Chega e do Iniciativa Liberal.

Em suma, sem estigmatizar os extremos ou apelidar de radicais todos os que pensam nas franjas, o centro político continua a fazer sentido. É que, como escreve Saul Bellow, no seu magistral JERUSALÉM, “a democracia só sobrevive quando um povo livre é capaz de se autodisciplinar e se abstém voluntariamente de enfraquecer a ordem política”.

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