sábado, 5 de agosto de 2023

Ela conseguiu eliminar significado pejorativo de madrasta no ... - Marie Claire Brasil - inglês

Há até pouco tempo, se você buscasse o termo “madrasta” no Google, leria como primeira definição “mulher má, incapaz de sentimentos afetuosos e amigáveis” ou, ainda, “aquilo de que provêm vexames e dissabores em vez de proteção e carinho”. Hoje, a resposta que aparece é bem diferente –e neutra, sem viés de gênero: “mulher em relação aos filhos anteriores da pessoa com quem passa a constituir sociedade conjugal”.

Quem conseguiu provocar essa alteração no dicionário de Oxford, que alimenta automaticamente o Google, foi a educadora parental e terapeuta Mari Camardelli, por meio de um abaixo-assinado virtual que reuniu mais de 7 mil assinaturas.

“Os dicionários precisam acabar com essa linguagem figurada que não presta serviço algum à sociedade, além de machucar mulheres que cuidam diariamente de filhos que não nasceram de suas barrigas”, diz a petição.

A definição antiga, descrita acima, ainda aparece no Google, mas agora está escondida (só aparece após dois cliques) e com uma etiqueta deixando claro que trata-se de uma definição pejorativa.

“Celebramos muito. Ainda é uma definição heteronormativa, é preciso dizer, porque não considera casais formados por duas mulheres, mas essa é um batalha para o futuro”, fala, assim como conseguir que outros dicionários façam a mesma alteração”, fala Mari Camardelli, de 37 anos.

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A educadora parental, que há pelo menos três anos trabalha atendendo famílias –especialmente as que têm madrastas em sua configuração– e aborda o assunto nas redes sociais para mais de 70 mil seguidores, sabe que a mudança no dicionário não muda, necessariamente, a realidade das madrastas, alvos de preconceito, cobranças e rivalidade feminina, mas, para ela, “essa é uma tentativa de romper com o estereótipo medieval”.

Para ela, a ideia que madrasta é uma “mulher má”, somada às representações de madrasta em desenhos como os contos de fadas, traz desconfiança em relação a essas mulheres num mundo em que cada vez mais crianças terão madrastas e cada vez mais mulheres ocuparão este posto. Afinal, o número de divórcios aumenta a cada dia no Brasil: nos últimos 10 anos, houve um aumento de 160% nos registros e, hoje, um em cada três casamentos acaba sendo desfeito, segundo o IBGE; a maioria deles, de casais com filhos, que são submetidos à guarda compartilhada.

Mesmo que novas configurações familiares após um divórcio sejam cada vez mais comuns, dificilmente uma mulher se imagina casando com um homem que já tem filhos. Mari Camardelli, por exemplo, teve madrasta a vida toda e sua mãe também foi madrasta no segundo casamento, mas nunca imaginou ocupar este posto.

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Ela se tornou madrasta há quase dez anos, quando conheceu o marido, que já tinha dois filhos de 10 e 6 anos do casamento anterior. Hoje, além de madrasta dos dois meninos, também tem dois filhos deste casamento.

“Somos ensinadas a buscar o sonho do homem próprio, zero quilômetro, que vai nos proteger e formar uma nova família com a gente; mas, se esse homem já tem filhos, não serve, já gastou”, critica.

Mari Camardelli conseguiu derrubar da plataforma de buscas a definição de madrasta como 'mulher má' — Foto: arquivo pessoal

Mari Camardelli conseguiu derrubar da plataforma de buscas a definição de madrasta como 'mulher má' — Foto: arquivo pessoal

“Madrasta não é rede de apoio, é família”

“Madrasta não se prepara”, diz Mari. “A gente se casa e, de repente, tem uma criança morando com você, sob sua responsabilidade. E não tem tempo de ir se tornando mãe enquanto a criança cresce; quando a gente chega, a criança já está pronta”.

“Sempre tive facilidade com crianças, sempre fiquei com o filho das minhas amigas para elas saírem. Mas quando virei madrasta, percebi que essa afinidade não seria suficiente para criar os dois. Eu precisaria me aprofundar em educação, estabelecer disciplinas, transmitir segurança, enfim”, lembra,

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Justamente por que não somos preparadas para ser madrastas, na prática, não faltam dúvidas sobre como agir –quando apresentar os filhos, como lidar com ciúmes de todas as partes, por exemplo. Por isso, Mari escreveu o livro Madrasta também educa (editora Much, 2021, esgotado) e, nas redes sociais, responde a questões de seguidoras envolvendo ciúmes, insegurança e a relação com a mãe dos enteados.

Para ela, o “cargo” de madrasta não é igual ao do pai ou da mãe, mas também não fica tão distante em termos de amor, cuidado e educação, inclusive na hora de ensinar disciplina e proibir ou autorizar determinadas demandas.

A lei, inclusive, estabelece que madrasta e padrasto são parentes por afinidade (termo definido no artigo 1.595 do Código Civil).

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“A madrasta é uma mulher que assume um papel no núcleo central da criança, portanto, não é rede de apoio, é família. Ainda assim, na prática, não pode falar, não pode opinar, não pode ir para o quarto e fechar a porta quando está com dor de cabeça”, fala.

“Há uma distorção desse papel. Se a madrasta lava a roupa da criança, é intrometida, mas se não lava, é negligente. Se troca a fralda é intrometida, porque o filho não é dela, mas se deixa o enteado cagado é relaxada. Essas situações são reais, eu recebo frequentemente das minhas seguidoras”, fala. “Recebi o relato de uma madrasta que não deixou a enteada comer batata frita no café da manhã e o marido dela, pai da criança, achou ruim, disse que ela estava regulando a menina. ‘Não se mete, não é sua filha’, ele disse”.

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