sexta-feira, 11 de agosto de 2023

O significado de conviver com o semiárido - Folha de S.Paulo - inglês

O sentido da expressão "convivência com o semiárido", em uma primeira visão ou leitura, pode levar a uma compreensão equivocada: viver no semiárido, sofrendo com a problemática das mudanças climáticas que tanto aflige, principalmente, os agricultores e agricultoras de base familiar.

Mas o sentido real da expressão "convivência com o semiárido" traz em seu arcabouço o real significado sócio-transformador: viver buscando transformar os obstáculos provocados pelas mudanças climáticas e pelas injustiças sociais em oportunidades para mudar as condições de vida a partir de transformações no comportamento. Isso inclui premissas como o cuidado com o meio ambiente para uma vida digna, evitando que a região venha a se constituir um deserto.

O refrão do cântico religioso "Ofertório do povo - quem disse que não somos nada", do poeta cearense Zé Vicente, muito bem expressa o sentido da convivência transformadora neste trecho: "a fé do homem nordestino, que busca um destino e um pedaço de chão. A luta do povo oprimido, que abre caminho e transforma a nação. Ô, ô, ô, ô, recebe Senhor".

O poeta Zé Vicente, com esse belíssimo cântico e refrão, não só animou as lutas e movimentos organizativos, por meio das comunidades eclesiais de base, mas inspirou e animou muitas outras lutas e caminhos para se buscar meios sustentáveis para conviver dignamente no semiárido. Fez isso transformando práticas negativas de cultivos em novas, tendo a agroecologia enquanto ciência como referência.

É grande a riqueza de possibilidades, de caminhos, de alternativas que já foram geradas. São frutos das lutas populares, dos trabalhos pastorais, comunidades eclesiais de base, etc., a partir das quais muitas organizações sociais nasceram e permanecem até hoje. Elas mobilizam os agricultores e agricultoras, promovendo trocas de experiência e qualificando-os a partir da estratégia de construção coletiva do conhecimento.

Essas organizações sociais geram reais possibilidades de se convier com o semiárido e ter vida digna, sobretudo a partir da produção agroecológica, da transição energética, da captação e manejo de água de chuva, que gera vida não só para os seres humanos, mas para todos que habitam o semiárido no bioma caatinga.

No depoimento a seguir, da senhora Maria Josimere Ferreira, residente na Comunidade Lagoa do Vicente, município de Imaculada (PB), beneficiária de um dos projetos desenvolvidos pelo CEPFS (Centro de Educação Popular e Formação Social), o Horta Orgânica com Economia de Água, apoiado pela BrazilFondation, é possível enxergar, caminhos e necessidades para a convivência com semiárido.

Ela diz: "Desde que recebi a cisterna calçadão iniciei a produção de hortaliças (coentro, cebolinha, alface, couve e plantas medicinais), mas não tenho um local adequado para a produção. A nossa dificuldade é a diminuição de água no período que fica sem chover. Mas minha expectativa é receber a horta com economia de água para ter um local adequado para produzir, economizando a água. A produção é para o consumo familiar e o que sobrar será comercializado para melhorar a renda".

Nota-se que ela expressa um caminho descoberto para conviver com a realidade semiárida, a cisterna calçadão que consegue armazenar 52 mil litros de água. Mas também expressa um desafio cujo caminho encontrado ainda apresenta limites, devido à diminuição das chuvas. A fala revela ainda uma expectativa pela chegada de uma tecnologia social, a Horta Orgânica com Economia de Água, para ter um local apropriado para continuar produzindo, usado pouca água e, ao fim, destaca que a produção é para o consumo humano e para gerar renda com o excedente da produção.

No depoimento se registra uma riqueza de detalhes já percebidos e em exercício, sobre como conviver, adotando-se meios sócio-transformadores no semiárido, o que se traduz em convivência nesta região. Essas descobertas são frutos de uma longa caminhada de participação em atividades formativas, troca de experiências etc.

No depoimento de Maria do Socorro Soares, da comunidade Fava de Cheiro, no município de Teixeira (PB), também beneficiária do projeto Horta Orgânica com Economia de Água, percebe-se, de forma resumida, caminhos encontrados para conviver com o semiárido.

Ela diz: "É uma bênção essa horta. Eu plantava nos canteiros tradicionais, porém não tinha uma infraestrutura adequada e agora tenho, com local apropriado e com a economia de água. Estou comercializando na comunidade, em comunidades vizinhas e na cidade. Além de consumir produtos saudáveis, sem agrotóxicos, já tenho 60 clientes, a partir da venda do excedente".

É nesse contexto da convivência com o semiárido que o CEPFS atua no sertão da Paraíba, região semiárida, há 38 anos, estimulando processos sócio-transformadores, gerando empoderamento de famílias constituídas por agricultores e agricultoras de base familiar. A organização estimula práticas sustentáveis, tendo a agroecologia como referência, visando maior resiliência na agricultura familiar e convivência com o semiárido.

Ajudem-nos a continuar com esse importante trabalho que gera cidadania e transforma vidas a partir da concretização de sonhos. Visite o site https://cepfs.org.br/campanhas/.

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