quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Wim Wenders mostra o significado da rotina no filme 'Dias Perfeitos' - O Tempo - inglês

São dois movimentos que o diretor alemão Wim Wenders empreende em “Dias Perfeitos”, o seu mais recente longa-metragem, em cartaz a partir desta quinta-feira (29) nos cinemas. O primeiro deles é convencer o espectador de que há beleza na rotina e um significado nobre na banalidade.

Embora se passe no Japão, onde a cultura oriental valoriza a paz espiritual, o filme não carrega qualquer aspecto religioso. O realizador de obras-primas como “Asas do Desejo” e “Paris, Texas” não está interessado em mostrar a simplicidade como sinônimo de elevação.

Acompanhamos o protagonista Hirayama, um senhor de meia-idade que vive sozinho num sobrado em Tóquio, levantando-se antes de o sol raiar e se dirigindo diligentemente para o seu trabalho, como encarregado da limpeza dos banheiros públicos da cidade.

Não há nada de realmente relevante ou instrutivo no que ele realiza cotidianamente, numa série de atividades repetitivas e sem graça. Mas, de alguma forma, nos sentimentos tocados por esse excesso de monotonia, especialmente pela maneira como é mostrado, em contraste com aqueles que rodeiam o personagem.

As músicas das décadas de 1960 e 1970, que ele toca – em fitas cassetes – no carro, chamam a atenção das pessoas que vão cruzando seu caminho, dando algum sentido para a vida delas. Assim como os livros de papel que coleciona, vários deles clássicos.

Seria um homem à moda antiga, com os seus valores muito arraigados, mas não é disso que “Dias Perfeitos” trata. Gradualmente vamos percebendo o outro movimento do filme: o do exercício do controle, num grande esforço para não permitir que o caos se estabeleça.

Esse caos que vez ou irrompe na programação de Harayma, de forma mais irrisória ou contundente, deixa claro que a perturbação é natural da vida do ser humano, incapaz de determinar seu futuro, pois ele sempre está sujeito a mudanças improváveis.

Não é simplesmente entender, por viés quase patológico, que o caos e a ordem são duas faces da mesma moeda. No caso de “Dias Perfeitos”, Wenders vai além dessa dualidade para estabelecer uma origem para o caos, quando o passado bate à porta.

É quando percebemos que a rotina de Harayma nada mais é do que o preenchimento de um buraco emocional, como se reiniciasse cada dia com um apagamento, buscando o que é seguro e conhecido para que não se machuque novamente.

Apesar dessas muitas camadas, Wim Wenders filma com a transparência e a leveza que nos remetem ao olhar virginal de seus anjos em “Asas do Desejo”, numa grande manifestação de amor ao que é humano. 

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