segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

10 pinturas que mostram o significado secreto da comida na arte - ISTOÉ - inglês


A arte tem a capacidade de inspirar as pessoas, de fazer pensar, sonhar e encontrar um novo significado para a vida. Pode, também, nos deixar com muita fome. Desde os tempos mais antigos, alimentos e refeições foram registrados por muitos artistas. Os antigos egípcios esculpiam representações de colheitas e pães em tabletes, até uvas hiper-realistas pintadas por mestres franceses e holandeses, comida e arte têm uma longa e rica relação. O alimento estava presente nos registros da Grécia e da Roma antiga, onde banquetes e bacanais consumiam paixões celebradas na literatura, pintura e nos mosaicos. Desenhos de comida tinham destaque dentro das pirâmides egípcias, que seguiam o ritual de manter junto aos corpos dos falecidos objetos pessoais e registros de coisas que gostavam. Foi tema recorrente na Idade Média e no Renascimento, em especial em momentos de guerra e de escassez. Desde o princípio da história teve destaque em celebrações, retratos de natureza morta e em composições dos mais diferentes estilos para registrar inclusive fartura, erotismo, exotismo ou riqueza.

No século XV, os artistas se inspiravam na cultura da antiguidade e no mundo natural, retratando uma enorme variedade de objetos de natureza morta em imagens devocionais e seculares. Os pintores tentaram congelar um ponto no tempo na perspectiva mais realista, mas também exibir uma habilidade virtuosa de observação e de descrição de forma, texturas e cores. Há muitas obras que fazem uma exibição extravagante de prazeres, enquanto outras mostram a abstinência. Independentemente do que motivou os artistas na produção, o fato é que realmente comer é um dos maiores prazeres da vida e, portanto, toda forma de registro faz sentido, além de permitir uma conexão com temas maiores de cada época como política, gênero, religião ou classe.

No final do século XIX, os artistas começaram a transmitir momentos da vida real, com pessoas socializando em torno de comida. Vincent van Gogh, por exemplo, mostrou a triste realidade dos camponeses holandeses que mal tinham batatas para comer. Cézanne explorava o gênero natureza morta para avançar ideias sobre o que a arte moderna poderia evoluir. Outros artistas impressionistas retratavam cenas harmoniosas de jantares coletivos, revelando o aspecto social da comida. A comida está no centro de obras como “O Almoço na Grama”, de Manet, ou “O Almoço da Festa do Barco”, de Renoir.

Para viajar pelo mundo da arte, em diferentes estilos e com diversos artistas, a coluna de hoje apresenta 10 famosas pinturas de comidas que mostram o significado secreto da comida na arte:

1- Maçãs e Laranjas” de Paul Cézanne (1899)

O Musée d’Orsay (Paris) classifica essa obra como “a natureza morta mais importante produzida por um artista no final da década de 1890”. A pintura é suntuosa, elegante e cheia de complexidade espacial e inovação. Compará-la com qualquer outra coisa nesta lista seria como comparar maçãs e laranjas. Embora Cézanne tenha pintado naturezas-mortas desde o início de sua carreira, esse gênero não adquiriu um lugar essencial em sua obra até a sua maturidade, quando pintou esse quadro. A pintura faz parte de uma série de seis naturezas-mortas executadas em 1899 no estúdio de Cézanne em Paris, contendo louças de barro e jarros com decoração floral. Por meio de uma linguagem plástica de grande rigor, Cézanne renova profundamente um gênero tradicional da pintura francesa desde Chardin. Os vários planos e perspectivas se somam numa antecipação cubista de sensações de cor e forma, repleta de tonalidades quentes (amarelo, ocre e vermelho) que pulsam dentro do contorno sóbrio das circunferências que as limitam. A riqueza do desenho de Maçãs e Laranjas foi construída a partir das formas simples dos objetos do cotidiano, que Cézanne pintava continuamente no silêncio de seu estúdio. Os objetos parecem escorregar da mesa, estão distorcidas e o ângulo das frutas é único para misturar realidade com imaginário. Até a toalha brinca com um jogo de cores quentes e frias, com tons de rosa, amarelo e azul. Genial!

2- “Os Comedores de Batata” de Vicent van Gogh (1885)

Quem está acostumado com as cores vivas de Vicent van Gogh vai se assustar ao ver esse quadro. Trata-se de uma tela grande, escura, e que mostra humildes holandeses descascando batatas. A expressão nos rostos das quatro pessoas retratadas é marcante e fica na memória para sempre. Van Gogh dizia que essa pintura era seu melhor trabalho. Sua intenção com a pintura era retratar a vida camponesa como realmente era – e na Holanda, isso significava batatas e pobreza. Van Gogh provavelmente foi influenciado pelo colega artista holandês Jozef Israëls, cujo ‘Uma família camponesa à mesa’ tem uma composição realista inegavelmente semelhante. Quem observa a tela tem a sensação de estar presente na penúria dos camponeses da época, vivendo melancolia e desesperança. Comprometido com a vida dos pobres, esta obra é um manifesto contra as desigualdades sociais, fato que impactava profundamente van Gogh. Ao invés dos ambientes ricos das casas burguesas que contratavam artistas para produzir seus retratos, a família presente na obra é a operária e possivelmente trabalhava nas fábricas e minas de carvão daqueles tempos. A pincelada de Van Gogh rivaliza a delicadeza da reunião familiar com a rigidez de sua precária condição social. Esse quadro já foi roubado por diversos bandidos que, para nossa alegria, não conseguiram levar a tela. Durante a fuga da polícia, um pneu furou e foram obrigados a abandonar a tela em 1991.

3- “Monte de Manteiga” de Antoine Vollon (1875 – 1885)

Esse monte de manteiga é um dos maiores tesouros da Galeria Nacional de Arte, de Washington, o único museu subsidiado pelo governo federal americano. No século XIX, as preparações e representações de alimento eram muito populares. Naturezas-mortas e cenas de cozinha estavam na moda e poucos artistas fizeram isso tão bem como Antoine Vollon. A pintura tem marcas grossas em camadas sobre o pincel do artista, provavelmente destinadas a ilustrar as marcas deixadas por facas no monte de manteiga. A riqueza de detalhes e a textura desse monte de manteiga diz tudo o que você precisa saber sobre os motivos que a tornaram uma obra-prima.

4- “Latas de Sopa Campbell” de Andy Warhol (1962)

Uma das séries mais famosas de pinturas de alimentos de todos os tempos, “Campbell’s Soup Cans” chama a atenção pela obviedade, mas vale destacar que ele foi o primeiro a criar esse tipo de pintura.  A arte pop de Warhol consiste em 32 telas (cada uma com 50,8 cm de altura por 40,6 cm de largura) que retratam diferentes sabores da sopa Campbell. Criado usando técnicas semiautomatizadas, tipo silk screen, o trabalho de Warhol representou um afastamento dramático do mundo das belas artes e dos conceitos de ‘pintura’. Nos Estados Unidos, o movimento artístico de expressionismo abstrato era o dominante durante o período de pós-Segunda Guerra Mundial, tendo como base não só os valores e a estética das Belas Artes, mas também um lado místico. Esta controvérsia originou uma grande controvérsia sobre a ética e o mérito do trabalho de Warhol, fazendo com que ele fosse amplamente questionado pela crítica e pelo público. Até hoje há quem critica severamente as técnicas de Warhol, mas não se pode negar que, de uma certa maneira, sua técnica foi extremamente eficaz e o posicionou como um artista famoso, ícone criativo da pop parte e importante representante do movimento que transcendeu o mundo da arte.

5- “Natureza Morta com Maçãs” de Vincent van Gogh (1887)

Definitivamente, as pinceladas de Vicent van Gogh são uma explosão de cores, tornando essa pintura de natureza morta em algo único e muito especial.  Note os tons criados com toque pós-impressionista, com azuis e verdes característicos dominando o fundo da pintura. Sobre essa base, acrescentou pinceladas em cores contrastantes: amarelo, laranja, vermelho e rosa. Interessante notar que usou essas mesmas combinações de cores para as maçãs em primeiro plano, mas na ordem oposta: os tons quentes primeiro, seguidos por detalhes frios de verde e azul. As frutas são coloridas a ponto de hipnotizar quem as observa e o conjunto faz dessa pintura uma das melhores do mundo, com grande destaque em mais de vinte exposições.

6- “Nighthawks ou Gaviões da Noite” de Edward Hopper (1942)

Essa pintura é uma das mais conhecidas do século XX. Foi inspirada em um restaurante de Nova York, “onde duas ruas se encontram”, mas a imagem – com sua composição cuidadosamente construída e falta de narrativa – tem uma qualidade universal e atemporal que transcende seu local particular. A imagem mostra melancolia e dá a sensação de que fazemos parte do quadro, que mostra três clientes notívagos, todos perdidos em seus próprios pensamentos. A tela começou a ser produzida logo após os japoneses atacarem Pearl Harbor, em dezembro de 1941. Obviamente, existia um sentimento generalizado de uma imensa tristeza nos Estados Unidos. No quadro, a rua está absolutamente vazia e todos os personagens estão amargurados, expressando profunda tristeza. Não há comunicação e nem demonstração de esperança. Até o garçom busca algo com seu olhar algo, fugindo também da realidade triste daquele momento. A obra é um retrato impressionante da vida urbana da época e dos tempos atuais, ainda mais em tempo de coronavírus. O bar de esquina dá a sensação de encruzilhada e de falta de alternativas. Note que o restaurante não tem porta de entrada.

7- “Figura com Carne” de Francis Bacon (1954)

Impossível olhar essa pintura e esquecer. Para entender essa obra, precisamos analisar a trajetória da arte. No século XVII, Diego Velázquez criou o retrato do Papa Inocêncio X inserindo na pintura uma série de elementos polêmicos. A obra de Bacon lembra o quadro de Velázques, mas mostrando um cadáver zumbificado, segurando seu trono, que parece ser construído a partir de uma carcaça de vaca morta. Para o artista, a pintura é a representação da carne humana de forma nua e crua, em tons sanguíneos e funções orgânicas palpáveis diante do olhar do espectador. Especialistas dizem que Bacon foi influenciado pelo pensamento existencialista do pós-guerra e pretendia que suas pinturas lembrassem aos espectadores que definitivamente somos carcaças em potencial. Bacon pincelava temas polêmicos com uma inusitada visão modernista, incluindo em suas obras fantasias masoquistas, pedofilia, homoerotismo e desmembramento e dissecação de corpos. Sem dúvida, é um retrato assustador, para qualquer época.

8 – “Almoço na Grama” de Edouard Manet (1862)

Essa obra foi um escândalo e deu o que falar. Em 1963, foi rejeitada pelo júri do Salão de Arte, concedido naquele ano por Napoleão III. No entanto, Manet não abandonou a pintura e saiu em sua defesa. Disse que o quadro deveria ser visto como uma herança dos antigos mestres como Rafael e que ele se inspirou em outras obras primas do Museu do Louvre. A obra choca. A tela não é apenas uma representação de um piquenique plácido em um dia ensolarado à beira do Rio Sena, com frutas frescas e brioches. Ela quebra todo tipo de regras e convenções artísticas da época, ao mesmo tempo em que contraria com o senso de realismo nas pinturas: não tem profundidade, mostra dois homens vestidos e uma mulher olhando diretamente para nós. A modernidade dos personagens torna essa cena quase obscena, mas Manet realmente se divertiu com isso, chamando a pintura de “A Parte Quadrada”. Manet registra contrastes brutais entre sombra e luz, posicionando os personagens do almoço perfeitamente integrados com a grama, que tira a profundidade do quadro. Vale dizer que Manet não tinha a intenção de criticar a sociedade, a mulher, a condição das prostitutas parisienses ou mesmo a procura dos aristocratas por sexo. Na verdade, a tela declarava a profunda e escandalosa liberdade do pintor, que escandalizou a sociedade por diversas vezes ao longo de sua vida. Com a pintura, Manet não respeita nenhuma das convenções da época e cria um novo modelo de liberdade em relação às pessoas e ao modo como eram representadas.

9 – “Natureza Morta com Vidro sobre a Lâmpada” de Pablo Picasso

Sem nenhum receio de mudar de estilo, Picasso foi um dos artistas que mais explorou as possibilidades dos movimentos artísticos de sua época. Reconhecido tanto pela pintura quanto pela escultura, Picasso criou milhares de obras e muitas pinturas sobre alimentos e naturezas mortas, em especial na fase cubista. Ele dominou a arte da pintura ainda quando era criança, chegando a pintar muito melhor que seu pai, um adulto que era muito mais experiente. Então, podemos dizer que seus desenhos e telas cubistas ou minimalistas foram produzidos por desejo do artista, que sabia pintar como poucos. As obras dessa fase são ousadas e com curvas que acentuam os ângulos, limitando bem as frutas e objetos do fundo. De todos os seus quadros sobre este tema, os que eu mais gosto são os mais recentes como a versão de 1962 de Natureza Morta, uma obra moderna e diferente de tudo o que já vi. A sensação que tenho ao admirar a obra é que Picasso não devia nada a ninguém. Pelo contrário: estava livre para testar o que bem entendesse. Para quem desejar acompanhar outras obras do artista, existe uma infinidade de opções como “Fruit Dish”, “Nature Morte”, “Nature Morte au Poron”, “Nature Morte Au Verre Sous La Lampe” e “Tigela de Frutas com Violino e Garrafa”.

10 – “Vertumnus” de Giuseppe Arcimboldo (1590-1591)

A obra de Giuseppe Arcimboldo é um retrato alegórico do monarca Rudolfo II como um Deus Romano para associar a vida com natureza, uma vez que seu rosto está repleto de alimentos para simbolizar o equilíbrio perfeito entre a natureza e a harmonia que o seu reinado representava. No retrato, faz parte da composição maçãs, peras, uvas, feijões, cerejas, alcachofras, figos, ameixas, milhos, cebolas, abóboras e outras frutas, legumes e flores perfeitamente colocadas para retratar as características faciais do personagem. Totalmente diferente do que existia na época, a obra foi motivada pela paixão e fascínio do monarca pela flora e fauna, especialmente depois de viagens pela América, África e Ásia. Com a morte de Maximiliano II, em 1576, seu filho e sucessor manteve o artista italiano trabalhando para ele.

Além dessas, existem milhares de obras sobre alimentos e refeições. Selecionei dez para a coluna de arte de hoje para fazer uma verdadeira viagem sobre diferentes estilos artísticos, mas se quiser continuar a pesquisa pela Internet não deixe de ler o texto que fiz sobre “A Última Ceia”, uma das refeições mais famosas da história e produzida por Leonardo da Vinci (1490). A coluna de hoje é uma homenagem ao fotógrafo Alexandre Almeida. Se desejar saber mais sobre um artista ou se tiver uma boa história sobre arte para me contar, aguardo contato pelo Instagram Keka Consiglio, Facebook ou Twitter.


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