quinta-feira, 2 de junho de 2022

Ihor Zhovkva: "O estatuto de candidato à UE tem um significado político profundo" - Diário de Notícias - inglês

Qual é o objetivo da sua visita a Portugal?
Estou a visitar Portugal pouco depois de o vosso primeiro-ministro visitar a Ucrânia. Foi a primeira desde a independência da Ucrânia. Durante o encontro com o meu presidente, [António Costa] levantou várias questões, e o meu presidente levantou outras sobre o possível alargamento do apoio de Portugal à Ucrânia. Discutimos o envio de armas do vosso país, o apoio de Portugal no que respeita a mais sanções da UE, o apoio financeiro e económico de Portugal, a ajuda potencial de Portugal na reconstrução no pós-guerra e o apoio para que a Ucrânia tenha o estatuto de candidato à UE neste mês. Como representante especial do presidente vou discutir as peculiaridades da integração europeia do vosso país com o vosso primeiro-ministro. Já tive uma reunião com o secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Tiago Antunes, e a sua equipa. Foram outros tempos e outras circunstâncias, mas a experiência de Portugal é muito útil. Estamos prontos para retirar o melhor, não repetir erros e em definitivo sermos um candidato à UE.

Além do que referiu, o governo português pode fazer algo mais?
Se fizer tudo o que eu referi será mais do que suficiente. Os portugueses estão a acolher ucranianos, cujo número duplicou ou triplicou, por isso estão a fazer um importante apoio comunitário quer aos ucranianos que vivem cá quer aos refugiados. Isto já é importante. Será bem-vinda qualquer assistência de armas que possam adquirir para dar ao meu país, ou se tiverem algum excedente - porque não queremos privar-vos da vossa defesa -, ou armas que já não usam ou que sejam obsoletas. E, mais uma vez: os 250 milhões de euros [de apoio financeiro de Portugal] são muito importantes para nós, todo o dinheiro conta. Neste momento precisamos de 5 mil milhões de euros por mês para poder pagar pensões ou os salários dos soldados.

"[o estatuto de candidato à UE] É um apoio moral para os soldados que estão a lutar ou para a mãe que está a abrigar-se dos mísseis balísticos e que sonham com um futuro europeu."

A Ucrânia pede um sinal à UE ao pedir o estatuto de candidato já neste mês. E se tal não acontecer, as consequências serão ao nível político interno ou na moral da população e do exército?
Ambos. A concessão do estatuto de candidato é um apoio moral à Ucrânia. Pode ser uma decisão técnica para os estados-membros ou para os burocratas em Bruxelas, mas para nós tem um significado político profundo. É um sinal muito claro de que os ucranianos são tão europeus quanto os portugueses, espanhóis ou alemães. É um apoio moral para os soldados que estão a lutar ou para a mãe que está a abrigar-se em Kiev ou em Kharkiv dos mísseis balísticos russos e que sonham com um futuro europeu. Neste momento 91% dos ucranianos apoiam a entrada na UE e temos grandes expectativas. Sim, criaria frustração na sociedade ucraniana porque não seria compreensível o porquê de não receber o estatuto de candidato. Às vezes dizem-nos que temos de esperar pelo resto dos países dos Balcãs se tornarem membros. Em termos de política doméstica seria um estímulo para a economia ucraniana. Já estamos integrados no mercado único. Vejam o que aconteceu durante a guerra, ligámos o sistema de eletricidade ao europeu e desligámo-nos do sistema russo. Agora podemos comercializar os excedentes de eletricidade para os 27. Estamos muito integrados no setor das TI. E a Comissão Europeia isentou as importações vindas da Ucrânia. Por isso não estamos a começar do nada. O acordo de associação com a UE, que leva mais de cinco anos, está a ser executado em 65%. E tivemos uma avaliação positiva da UE em outubro. Por isso, apesar da guerra, estamos no bom caminho. E também é importante dizer que não estamos a combater esta guerra só pela Ucrânia. Estamos a combater por todos os países da União Europeia para parar o agressor na Ucrânia. A ausência de um compromisso enviaria um sinal muito forte para Putin: "Não são bem-vindos, não são europeus, não são tratados como iguais". Faço um apelo aos vossos líderes. Sei que 87% dos portugueses querem a Ucrânia na UE, por isso a vossa liderança deveria estar em sintonia com a população. Por favor, façam essa simples e burocrática decisão de apoiar o estatuto de candidato, que não tem quaisquer custos nem estabelece sequer um prazo. Mas dá um sinal muito claro a todo o povo ucraniano e juntos teremos uma Ucrânia mais forte e europeia.

Vários peritos apontam para uma guerra prolongada no tempo e que Moscovo aposta num cansaço europeu e consequente desunião. Qual a sua opinião?
Moscovo contava com a desunião europeia antes da guerra, mas fez vários erros de análise. Sobrestimou as forças russas, subestimou as forças de Kiev e calculou mal o nível de unidade dos membros da UE. O cansaço é possível mas não podemos dar-nos a esse luxo. O cansaço sobre a Ucrânia acabaria de imediato quando a Rússia se estendesse pela Polónia, pelos países bálticos, pela República Checa e depois, quem sabe, até Lisboa. Não sejam ingénuos.

Durante a visita a Espanha comentou que as novas sanções económicas à Rússia são lentas, tardias e insuficientes. Ainda assim, a Rússia vai perder um quarto das receitas totais. É insuficiente para travar a máquina de guerra russa?
A Rússia vende à UE diariamente mil milhões em energia. A decisão ainda não foi no sentido do embargo total, mas até ao fim do ano será de cortar 90% no petróleo. É melhor do que nada, mas não estou satisfeito porque não conseguimos minar por completo a capacidade russa. Cada euro que a Rússia recebe vai para a indústria militar produzir mais mísseis balísticos, aviões de combate e tanques. Obrigado, UE, pela unidade demonstrada por fim, porque houve divergências durante mais de um mês, e agora tomaram esta decisão difícil. Mas está longe de chegar. Nem todos os bancos foram excluídos do SWIFT. O Gazprombank, o banco que recebe os euros e converte em rublos para pagamento do gás, não foi excluído. As sanções pessoais estão bem, mas todos os membros das autarquias e das regiões também são responsáveis porque apoiam o presidente e não foram visados. E porque é que ainda emitem vistos para russos se deslocarem a Lisboa?

"O cansaço [europeu] sobre a Ucrânia acabaria de imediato quando a Rússia se estendesse pela Polónia, países bálticos, Rep. Checa e, quem sabe, até Lisboa. Não sejam ingénuos."

Pode explicar porque é que a Ucrânia não está interessada numa trégua de momento?
Uma trégua imediata é inútil se não for acompanhada de uma retirada das tropas russas pelo menos até ao ponto anterior a 24 de fevereiro. Sem garantias, num mês ou num ano, os russos voltariam à carga. Precisamos de um sistema de garantias para esta parte do mundo, juridicamente vinculativo, para prevenir ou enfrentar uma possível agressão russa.

O presidente Zelensky disse que o início para a paz começa com a retirada russa para as posições anterior a 24 de fevereiro...
...Isso para começar. Não será o fim. Não deixaremos que se mantenham na Crimeia ou no Donbass mas neste momento é difícil alcançá-lo com meios militares.

O exército ucraniano não tem meios humanos nem militares para consegui-lo.
[Os russos] superam-nos em pessoal, podem ter três ou quatro mais soldados por cada ucraniano e têm muito mais equipamento. Algum é datado, mas outro é novo, a estrear. Mas isso não quer dizer que vá haver concessões de território, em caso algum.

Para si qual é o objetivo de momento de Putin?
Quer atingir uma vitória grande. Não conseguiu tomar Kiev, Kharkiv nem Odessa, por isso quer mostrar uma vitória ao seu povo. Não sei quais são os seus limites temporais, mas quer algo visível e é por isso que se mostra tão obstinado e intransigente na batalha pelo Donbass, onde concentrou as forças armadas mais bem preparadas, deixando-nos em desvantagem numérica e de meios. É por isso que necessitamos o máximo de armas possível. Tudo o que Portugal puder dar, por favor, deem de imediato. Os vossos governantes sabem do que falamos.

Após alguma hesitação, o presidente dos EUA decidiu pelo envio de sistemas de lançamento múltiplo de foguetes (MLRS). Chegará ao Donbass a tempo?
Assim espero. Precisamos deles no Donbass, precisamos no sul, por exemplo para desbloquear Mariupol. Será o início da contraofensiva no sul, na batalha pelo Donbass e para libertar toda a região de Kharkiv. Precisamos de armas, armas, armas.

O MLRS pode virar o jogo?
Sim, sem dúvida. Isso e os mísseis antinavios porque o sul da Ucrânia não só é alvo pelo ar mas também pelos navios. MLRS, mísseis antinavios, veículos blindados e sistemas de artilharia podem virar o jogo.

Pelo menos o Reino Unido já enviara mísseis antinavios.
Em quantidade muito pequena. Ao que sei Portugal também tem. Mais uma vez, qualquer apoio que possa ser dado que o seja de imediato.

Como acabar com o bloqueio naval russo no Mar Negro?
Precisamos de acabar com o cerco porque, em primeiro lugar, estão a disparar para as nossas cidades e a matar pessoas. E em segundo, e não menos importante, porque estão a bloquear os nossos portos e impedindo de exportar os cereais e tudo o mais. Pedimos à comunidade internacional para que a UE e a ONU iniciem uma operação conjunta de exportação dos cereais nos próximos dois ou três meses. Ajudem-nos a ajudar-vos.

cesar.avo@dn.pt

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