sábado, 29 de maio de 2021

O Infarmed, a indiana e o turismo inglês - Diário de Notícias - Lisboa - inglês

Foi algo incompreensível o que se passou na sexta-feira no Infarmed. Perante a galopante subida de casos em Lisboa, o Governo convocou os especialistas. Dois efeitos desejados: deixar-nos mais descansados - há mais casos covid, mas sem novas variantes significativas. E, em consequência, estaríamos mais do que na hora de mudar a matriz de risco. Porque, sem isso, Lisboa recua no desconfinamento. E recuar na capital seria (é) dramático. Notícia em todo o mundo. De novo.

Parecia lógico que isso fosse suceder. E, no entanto, apesar desta enorme pressão, os especialistas não foram por aí. Porquê? Há uma subida sistemática de novos casos. Uma vez mais, o Governo demorou uma semana a tomar medidas sérias face à previsível subida dos números. Tal como em janeiro. E nunca se percebe a razão da letargia.

Mas talvez a maior cautela tenha sido suscitada pela apresentação de João Paulo Gomes, do Instituto Ricardo Jorge, sobre a transmissão das variantes. E o que ele nos mostrasse dar-nos-ia, em princípio, a resposta mais importante face à crise "Sporting". Só que... não. Para aquela reunião só existiam dados até 11 de maio, exatamente a noite em que os festejos sucederam. Sabemos apenas que, de abril até 11 de maio, a variante indiana passou de 0 para 5% do total nacional - e as outras estabilizaram ou caíram ligeiramente.

Agora, para apurarmos as consequências do que se passou a 11 de maio, só na próxima reunião - ainda sem data. Mas nessa altura a estatística das variantes misturar-se-á com o efeito do "turismo". Portanto, dilui-se a responsabilidade política dos festejos do título e qual o seu real impacto na subida da transmissão mais agressiva. Nessa altura, o mau jornalismo falará dos ingleses pelo país, a que se juntarão as imagens da Liga dos Campeões no Porto, e não se vai distinguir o essencial do acessório: a comemoração de um campeonato naqueles termos é uma agressão implícita a quem não pôde trabalhar durante tantos meses para que os números descessem. Já o risco "turismo" existe, mas é o preço a pagar para que muita gente possa sobreviver. Confundir as duas coisas é confundir o pão com o circo.

Aliás, as críticas implícitas do Presidente da República aos especialistas, no final da reunião, não batem certo com o padrão de Belém. Marcelo, e todos nós, achamos que a matriz de risco tem de mudar, caso contrário não se salva a economia. Mas os especialistas parecem querer confirmar se a transmissão "11 de maio" alterou o multiplicador de contágio.

Além disso, mais do que os novos casos covid, a atenção está no risco "variantes", sobretudo na população que não tem a vacina. No Reino Unido a "indiana" está prestes a ultrapassar a inglesa (designada por variante de Kent). E, se é verdade que a vacina garante uma boa resposta imunitária (80%) para quem tem duas doses, é bastante fraca para quem só tomou a primeira ou não tem proteção. A subida de novos casos, internados e óbitos voltou aos dois dígitos em Inglaterra.

Com mais de 80% da população portuguesa sem as duas doses da vacina, a margem é curta. Após o fim do estado emergência, ficou no ar a ideia de que isto acabou. Mas o risco de não haver nem turismo nem Verão, voltam a ser enormes. Governo e Presidente têm de encontrar uma base comum de comunicação - a contagem decrescente até à vacinação. Os portugueses precisam dessa luz, bem definida, com datas e avanços, para se mobilizarem. Não podemos é pedir aos especialistas que mudem de discurso se o risco é maior do que a responsabilidade.

Jornalista

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