segunda-feira, 31 de maio de 2021

Para inglês ver - Monitor Mercantil - inglês

Por pressão da Inglaterra, que era contrária ao tráfico de escravos, maior fonte de riqueza do Governo Regencial do Brasil, os portugueses promulgaram em 1831 a Lei Feijó, que proibia o tráfico negreiro e punia severamente os importadores de escravos. Comentava-se na Câmara dos Deputados, nas ruas e nos mercados que o ministro Feijó fizera uma “lei pra inglês ver”, porque, na prática, os navios que a Corte portuguesa punha na costa brasileira para, supostamente, ir atrás das naus negreiras, não caçavam ninguém, e o comércio de homens negros corria solto e enriquecia os barões do açúcar e do café.

A expressão “para inglês ver” virou sinônimo de coisa que se faz apenas para fingir que faz, ou de algo que se fez malfeito, pela metade. Aplicado o termo a leis, diz-se daquela lei sem pé nem cabeça, que se escreve só pra justificar o mandato parlamentar, mas que, na prática, melhor seria se fosse para o lixo porque, além de não resolver coisa alguma, cria complicações sobre algo que já era complicado por natureza.

A recém-publicada Lei 14.151/21 é uma (mais uma) lei demagógica, dessas feitas “para inglês ver”. Não resolve coisa alguma e traz mais problemas para as empresas, já quase todas esculhambadas pela crise pandêmica e pelas ações atabalhoadas de um governo despótico e incompetente. Essa lei determina o afastamento obrigatório das empregadas grávidas do trabalho presencial e obriga as empresas a colocarem as gestantes em teletrabalho durante a pandemia. É o tipo de lei boba, oca de sentido e sem nenhuma preocupação social. Lei de quem está tranquilo em seu gabinete, ou em casa, com o salário pago religiosamente em dia, longe das agruras do povo e das empresas em meio a uma pandemia que tem acabado como milhares de vidas, empregos e empresas.

Embora o pessoalzinho politicamente correto aplauda essa tolice como algo benfazejo, a lei não resolve coisa alguma. Há certas empresas que simplesmente não podem colocar ninguém em teletrabalho porque o tipo de serviço que oferece só pode ser executado frente a frente com o consumidor. Imagine-se, por exemplo, uma franquia de sorvetes, ou de um outro produto qualquer vendido em quiosques nos corredores dos shopping centers ou nos calçadões de Copacabana. Como é que uma empregada grávida poderia realizar esse trabalho em casa?

Imagine-se, ainda, que essa empregada grávida não tenha computador ou internet em casa, e a empresa não tenha como provê-la do aparato tecnológico para que essa gestante execute o seu trabalho? Como resolver o problema?

A lei diz que, nesses casos, a empresa é obrigada a pôr a gestante em trabalho remoto, mas não dá nenhuma alternativa para o caso de a empresa não poder, a gestante não querer ou não ter condições de trabalhar de casa. Como a empresa deve fazer?

Dispensar a empregada grávida a empresa não pode porque a gestante tem garantia de emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. De suspensão do contrato de trabalho da gestante a lei não cogita, de modo que essa solução tem de ser negociada com a trabalhadora. Encaminhá-la ao INSS a empresa não poder fazer porque gravidez não é doença e não há nenhum motivo legal ou médico para que o INSS responda pelo salário dessa empregada. Deixá-la em casa sem salário não é legal nem justo porque se trata de um direito assegurado por lei.

A única solução possível para o caso do afastamento de uma gestante que não possa realizar o teletrabalho porque o tipo de serviço não permite ou não disponha de espaço físico em casa para sua execução é deixá-la em casa sem trabalho, mas com salário, o que é punir a empresa duas vezes, porque ficará sem a empregada no posto de trabalho, tendo de alocar outro para o seu lugar, e ainda terá de pagar os salários e os encargos sociais e fiscais sobre o valor do salário sem nenhuma contraprestação em troca.

Com uma lei burra como essa, os deputados não estão percebendo que a cada dia afundam ainda mais as empresas já financeiramente capengas, concorrendo para a recessão e para a extinção dos postos de trabalho e, pior, diminuindo o mercado de trabalho da mulher gestante, porque nenhuma empresa vai contratar mulher grávida sabendo de antemão que terá de deixá-la em casa sem fazer nada e recebendo salário.

Não há dúvida de que a mulher gestante merece cuidado maior do legislador, mas não será com leis demagógicas como essa que esses cuidados darão proteção efetiva à mulher trabalhadora num momento tão especial de sua vida.

Embora a lei diga que a migração da gestante do trabalho presencial para o teletrabalho não deve provocar redução de seu salário, será possível, com o consentimento da gestante, redução proporcional do salário e da jornada de trabalho nos termos da MP 1.045/21. É uma saída. Se atividade presencial da gestante não puder ser executada em regime de teletrabalho, a única saída seria suspender o contrato por até 120 dias, na forma da MP 1.045. Nesse caso, a empregada receberia 70% do valor que receberia pelo seguro-desemprego, se fosse dispensada naquela data, e o restante seria pago pela empresa. Além disso, para contornar provisoriamente o impasse, o patrão poderia antecipar férias, feriados e banco de horas, na forma da MP. 1.046/21, mas essas medidas são, como dito, paliativas e insuficientes.

O ideal é que a lei, antes de fazer cortesia com o chapéu alheio, previsse descontos fiscais e compensações mais atrativas para a empresa que tivesse de deixar a gestante em casa sem poder executar o teletrabalho, mas recebendo salário em dia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário