sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Vinte anos depois, significado único do 11 de Setembro é busca fugidia para Nova York - O Globo - inglês

NOVA YORK — Passadas duas décadas dos maiores atentados terroristas da história americana, pesquisadores do tema não arriscam apontar um significado único dos fatos para Nova York e seus moradores. Eles ressaltam que, ainda hoje, continuam a surgir novos relatos pessoais, desdobramentos e percepções que se somam à história contada localmente sobre a tragédia.

— Algumas narrativas podem demorar para surgir, certas pessoas não conseguem falar a respeito dos fatos de imediato. Foi assim na Alemanha e no Japão, após a Segunda Guerra Mundial. Às vezes toda uma geração fica em silêncio por causa do trauma. Eles não querem sobrecarregar os filhos nem reviver o sofrimento —  diz Susan Opotow, doutora em Psicologia Social e professora do Departamento de Sociologia da faculdade de Direito John Jay, da Universidade da Cidade de Nova York, que coeditou o livro “New York After 9/11” (Nova York depois do 11 de Setembro).

Pós-ataques: Milhares nos EUA sofrem de trauma e doenças provocados por atentados do 11 de Setembro

Opotow observa que, como a maioria das metrópoles, Nova York abrange múltiplas realidades: se perguntarmos a 10 pessoas diferentes sobre o significado da tragédia, poderemos obter 10 respostas diferentes.

Para Marva Craig, que tinha 40 anos na época e, a caminho do trabalho, precisou correr da nuvem de poeira provocada pela queda das Torres Gêmeas do World Trade Center (WTC), esses 20 anos significam sobretudo resiliência.

— Aquele evento não definiu quem somos e não pode nos controlar. Devemos ser controlados pela nossa força interior e o cuidado uns com os outros. O 20º aniversário nos permite refletir sobre um momento em que estávamos para baixo e nos reerguemos.

Craig também acredita que a experiência a fortaleceu para lidar com a pandemia da Covid-19. As cenas de negócios fechados, ruas vazias, pessoas se mudando, homenagens aos profissionais da linha de frente e até do navio-hospital que ancorou na cidade foram exatamente as mesmas vistas nos dias que se seguiram aos ataques de 2001.

Para o diretor de publicidade Derick Chen, nascido e criado na cidade, todo 11 de Setembro é um dia de reflexão. Ele, que estava no segundo ano da faculdade em 2001, costuma escolher um local da cidade para observar os dois canhões de luz que são acesos próximos ao local dos atentados. Há 10 anos, ele se mudou para o Distrito Financeiro, palco da tragédia, mas tem ressalvas quanto ao trabalho de reconstrução.

—  Gosto do memorial, mas não sou um grande fã de todo o resto. Lembro que fiquei frustrado por anos, o WTC foi um buraco por uma década. Aquela lacuna era um vazio no coração. Quando criança, adorava desenhar o horizonte da cidade, as torres eram tão icônicas, bastava desenhar dois retângulos. A nova é apenas um edifício alto.

Ameaça: Vinte anos depois do 11 de Setembro, EUA se voltam para ameaça mais perto: o terrorismo interno

Para Derick, alguns dos simbolismos da principal torre do novo complexo, inaugurada em 2014, não são perceptíveis pelo público. O arranha-céu tem uma forma geométrica com oito fachadas, para homenagear os dois edifícios destruídos. A altura é a mesma da Torre Norte original. Se somada a antena, o edifício tem 1.776 pés (541 metros), uma referência ao ano da independência dos EUA.

Apesar da notável transformação no chamado Marco Zero, a reconstrução do WTC nunca foi concluída. Atualmente, está em construção um centro de artes, que deve ficar pronto em 2023. Das seis torres previstas, duas jamais foram iniciadas. Em janeiro, foi anunciado que uma delas será residencial, seguindo a nova vocação do bairro.

Guga Chacra: A presença saudita nos ataques do 11 de Setembro

O arquiteto Michael Duddy, professor da New York City College of Technology, lembra que, após os atentados, houve quem defendesse que todo o terreno permanecesse vazio, como um parque público. E houve quem advogasse pela reconstrução exata das torres anteriores. A versão final do projeto surgiu após seis propostas serem rejeitadas pela comunidade e já sofreu inúmeras modificações.

— O projeto cumpriu seu papel, era um problema muito difícil que foi tratado da melhor maneira possível. O incorporador obteve todo o espaço a que tinha direito, a comunidade ganhou um belo parque aberto, há as fontes, que eu acho muito elegantes.

O Memorial do 11 de Setembro, inaugurado em 2011, e o museu, aberto em 2014, ocupam metade dos quase 1 milhão de metros quadrados que hoje compreendem o novo WTC. A instituição é considerada a autoridade nacional sobre os atentados e comanda a cerimônia anual em que são lidos os nomes de todas as vítimas.

Preso há 19 anos: Sem nunca ter sido formalmente acusado, iemenita tenta sair de Guantánamo

Os planos de uma programação especial para o aniversário de 20 anos foram cancelados por dificuldades financeiras. A queda no fluxo de visitantes por causa da pandemia teria obrigado o museu a apertar os cintos e demitir funcionários.

O professor Charles B. Stone, do Departamento de Psicologia da Faculdade John Jay, estuda a transmissão intergeracional de memórias relacionadas aos ataques. Ele ressalta que o museu e o memorial têm um papel fundamental no processo de construção de sentido para o 11 de Setembro.

— Qualquer compreensão completa das consequências e do impacto que o 11 de Setembro tem será uma interação entre as memórias dos indivíduos, as interações sociais deles e os artefatos sociais criados para ajudar nessa construção.

Impacto: Nova York não esqueceu o atentado, mas perdeu o medo e seguiu em frente

Para o pesquisador, apesar dos debates, o projeto do museu foi imposto de cima para baixo e busca provocar nos visitantes uma “reação emocional visceral”, por exemplo, com o áudio de telefonemas feitos pelas vítimas minutos antes de morrerem. 

— Muitos nova-iorquinos nunca visitaram o museu porque ainda se lembram vividamente dos fatos e julgam não ter o que aprender, ou pelo medo de reviver uma experiência dolorosa. Parece-me que o museu e o memorial são mais para turistas, e isso é contrário ao que muitas pessoas pensam sobre o papel desses monumentos, que é servir aos locais.

O casal Cheo Tyehimba e Efiya Asabi com a filha no Memorial do 11 de Setembro Foto: Pedro Moreira / Agência O Globo
O casal Cheo Tyehimba e Efiya Asabi com a filha no Memorial do 11 de Setembro Foto: Pedro Moreira / Agência O Globo

Os debates em torno do museu sempre existiram. Um documentário lançado em agosto, “The Outsider”, revela gravações de reuniões antes da abertura, com desentendimentos entre dirigentes e pesquisadores para definir o conteúdo das exibições. Em julho, o jornal New York Times reportou que ex-empregados e parentes de vítimas reclamam da curadoria e pedem que a instituição aborde temas mais complexos como terrorismo, as guerras que se seguiram, a ascensão do nacionalismo americano e da islamofobia e as doenças causadas pela exposição aos escombros.

Moradores da Califórnia, Cheo Tyehimba e a mulher, Efiya Asabi, visitavam o memorial recentemente com a filha do casal, de 13 anos.

—  Eu queria mostrar a ela as consequências do terrorismo e que existem pessoas reais ligadas a isso. Eu não acredito que ninguém mereça morrer, mas precisamos ter um pensamento crítico sobre como impactamos o mundo individualmente e como um país, como cidadãos do mundo — argumentou Asabi.

Adblock test (Why?)

Nenhum comentário:

Postar um comentário