domingo, 6 de março de 2022

Dias depois de ter sido “acordada pelas bombas” e fugido da guerra na Ucrânia, Yastremska foi vice-campeã em Lyon: “Comparado com o que está a acontecer, isto não tem grande significado” - Expresso - inglês

Quando os bombardeamentos russos se começaram a ouvir em Odessa, Dayana Yastremska, 140.ª colocada no ranking WTA, estava a dormir. A tenista ucraniana foi “acordada pelos estrondos”, conforme assumiu à Euronews. Um despertar abrupto para uma realidade cruel e assustadora: a guerra.

Yastremska passou, juntamente com a sua irmã de 15 anos, Ivanka, duas noites abrigada num parque de estacionamento subterrâneo em Odessa, a sua cidade natal. O pai de ambas decidiu que as suas filhas tinham de abandonar o país, juntando-se à vaga de refugiados que, nos dias seguintes à invasão russa, saíram — e continuam a sair — da Ucrânia.

Relatando a fuga através das redes sociais, Dayana Yastremska contou que, num percurso feito de carro, a pé e de barco, ela e a irmã chegaram à Roménia. Num primeiro momento, estava previsto que a mãe de ambas as acompanhasse, mas a progenitora preferiu ficar com o marido em território ucraniano.

“Depois de duas noites num parque de estacionamento subterrâneo, os meus pais tomaram a decisão de, a qualquer custo, enviarem-me a mim e à minha irmã para fora da Ucrânia. Mãe, pai, amamo-vos muito, tenham cuidado! Amo-te, Ucrânia. Ucranianos, tomem conta das vossas vidas”, escreveu, no Instagram, a mais velha das irmãs.

Depos de chegarem à Roménia, Dayana e Ivana foram para França. Em Lyon, Dayana Yastremska tinha à sua espera um wild card para participar no torneio WTA da cidade, o qual também deu um convite para que as duas irmãs disputassem, como dupla, o torneio de pares. À chegada a solo gaulês, Dayana voltou a atualizar a situação de ambas, agradecendo o acolhimento que tiveram e revelando as “saudades” do pai e da mãe.

“Fugir à guerra foi muito difícil e doloroso. Não sabemos quando vamos voltar a ver os nossos pais… São momentos difíceis de recordar, quando estávamos no barco e vimos os nossos pais do outro lado, ficando na Ucrânia. Foi muito emotivo”, explicou, à Euronews, Dayana.

Em Lyon, Yastremska conseguiu o seu melhor resultado no circuito profissional feminino em mais de dois anos. Em janeiro de 2020, a ucraniana chegou a ser a 21.ª melhor raquete do mundo, mas desde esse mês — quando havia atingido a sua última final, em Adelaide — que o seu rendimento vinha baixando, levando-a mesmo a sair da primeira centena de jogadoras no mundo.

No entanto, em França, e na sequência de dias em que o ténis terá sido o menos importante para si, Dayana reencontrou o seu melhor nível, alcançando a quinta final da sua carreira, a primeira em 26 meses. Para chegar ao duelo de atribuição do título, a ucraniana bateu quatro atletas que estão à sua frente no ranking — Ana Bogdan (97.ª), Cristina Bucsa (139.ª), Jasmine Paolini (48.ª) e Sorana-Mihaela Cirstea (30.ª). No encontro decisivo, Yastremska perdeu (3-6, 6-3, 6-4) contra a chinesa Shuai Zhang, a 64.ª do mundo, mas a semana de Dayana comoveu o mundo do desporto.

(Foto: OLIVIER CHASSIGNOLE/AFP via Getty Images)

A ucraniana foi revelando, ao longo da competição em Lyon, que “ia conseguindo” falar com o seu pai, que lhe dizia “que estava tudo bem e sob controlo”, mas a jovem “desconfia” que ele só lhe dizia isso “para que não se preocupasse”. Depois de perder na primeira ronda de pares com a sua irmã, Dayana foi ganhando desafios em singulares e dizendo que se sentia “feliz, mas ao mesmo tempo triste”.

“Estou a vencer pelo meu país. Estou orgulhosa da Ucrânia e do nosso povo, orgulhosa por estarem a lutar pelas nossas vidas, por uma Ucrânia livre. Estou-lhes muito agradecida. Um grande respeito pelo nosso povo, são heróis”, disse depois de vencer nos oitavos-de-final a espanhola Bucsa.

A entrada das irmãs Yastremska para o encontro de pares

Na sequência do triunfo nas meias-finais contra a romena Cirstea, a ucraniana lançou-se ao chão, visivelmente emocionada. Entre lágrimas, disse tratar-se de “mais uma vitória para o seu país”, mas não deixou de relativizar o sucesso desportivo face ao drama da guerra: “Comparado com o que está a acontecer, isto não tem grande significado”, apontou.

Depois de ter perdido a final, as emoções voltaram a apoderar-se da jogadora, que se envolveu na bandeira do seu país, perante as lágrimas que lhe escorriam da face e o apoio comovido do público de Lyon. De voz meio soluçante pelo peso do momento, Yastremska fez um discurso que coroou uma semana em que comoveu o mundo do desporto.

“Doarei o prémio monetária a uma fundação ucraniana. Se as pessoas ucranianas me estão a ver, quero dizer-vos que vocês são tão fortes, têm um espírito fantástico… Tentei lutar pela Urânia e quero agradecer a todas as pessoas da Ucrânia por mostrarem que temos um espírito muito forte”, sublinhou a jogadora.

Com a bandeira da Ucrânia amarrada, qual super-heroína, Dayana Yastremska — que, em conjunto com a sua irmã de 15 anos, enfrenta agora um futuro de incerteza, como tantos compatriotas — despediu-se de Lyon com uma exclamação que, cada vez menos, precisa de tradução por esse mundo fora.

“Slava Ukraini“. [“Glória à Ucrânia”]

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