sábado, 24 de dezembro de 2022

Ir a Beijing e a Washington tem um enorme significado político - Diário de Notícias - inglês

Dmitry Medvedev é um conhecido moço de recados de Vladimir Putin. Preencheu o lugar de Presidente da Rússia entre 2008 e 2012. A Constituição dessa época não permitia a Putin o exercício de um novo mandato. O fiel Medvedev foi escolhido para fazer-de-conta. Atualmente, serve como vice-presidente do Conselho de Segurança do país e líder formal do Rússia Unida, que é o partido do chefe. Só cargos de fachada.

Quando há uns anos negociei com uma representação do comando militar russo, ficou claro que Medvedev era tido como um personagem fraco e, pior ainda, alguém com uma certa inclinação para se entender com os ocidentais. Muito provavelmente por esta razão e para mostrar que faz agora parte da linha dura, tem sido nos últimos meses uma das vozes mais extremistas no círculo dirigente.

Xi Jinping convidou-o para um encontro em Beijing nesta quarta-feira. A imprensa chinesa, sempre preocupada com as questões formais, sublinhou que Medvedev fora convidado na sua qualidade de presidente do partido Rússia Unida. Estava assim salva a imagem de Xi, que só se encontra com gente que esteja ao mesmo nível. Enfim, só teatro político. A verdadeira razão da convocatória foi outra: usar a marionete de Putin para transmitir ao Kremlin a mensagem clara que é altura de acabar com a guerra e construir um acordo de paz com a Ucrânia.

Essa é agora a posição de Xi, mas dita com a circunspecção que deve existir entre dois países que partilham muitos interesses. Xi tinha, aliás, expresso uma posição equivalente, embora com outras palavras, quando na véspera havia falado ao telefone com o presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier. Nessa conversa, havia reconhecido três coisas: primeiro, que existe a possibilidade de uma guerra prolongada; segundo, que o conflito se poderá agravar de modo significativo; e terceiro, que talvez fosse possível uma iniciativa conjunta entre a China e a UE - ou seja, sem os EUA -, na procura de uma solução. Este último ponto, na minha opinião, só teria asas para voar se incluísse os americanos. Parece-me, porém, impossível conseguir juntar os EUA, a UE e a China à mesma mesa, sobre este assunto, embora valesse a pena sugerir ao Secretário-Geral da ONU que explore a ideia. Numa crise que ameaça a paz mundial, não há maior prioridade do que tentar tudo, até o impossível.

Há coincidências que parecem de bom augúrio. No mesmo dia que Medvedev foi chamado a Beijing, o presidente da Ucrânia viajou até Washington. Esta foi uma viagem de grande significado político. Mostrou claramente como é vital o apoio dos EUA. E que deverá continuar, mesmo com uma maioria republicana na Câmara dos Representantes. Para já, passa a incluir aquilo que os russos sempre designaram como uma linha vermelha, o sistema antimísseis Patriot, algo absolutamente prioritário, numa altura em que a principal opção russa são os ataques maciços com mísseis e drones. Lembro, aqui, que a experiência tem mostrado que as linhas vermelhas existem para poderem ser violadas.

Mas a visita de Zelensky foi sobretudo importante porque permitiu aos dois presidentes discutir frente a frente diversos cenários, quer operacionais quer diplomáticos. A diplomacia, nesta fase, está no segredo dos deuses. É por isso muito falível comentar sobre o assunto, mesmo sabendo-se que as propostas de Zelensky são muito semelhantes às apresentadas à recente cimeira do G20. Deu para entender, no entanto, que há um risco enorme: ou a diplomacia avança ou haverá um alastramento da guerra para aquém das fronteiras da Ucrânia. Estamos, claramente, num período muito delicado. E é por isso que defendo que se inclua a China no processo de contactos diplomáticos. Para já, deixaria de fora a Índia. A Índia não tem nenhuma rota da seda para defender, nem é membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.

Entretanto, o contínuo armamento da Ucrânia é legítimo e indispensável, não só para proteger vidas, mas também para levar os agressores a compreender que a solução mais inteligente é cessarem as hostilidades e salvarem a face. Caso contrário, iremos entrar numa nova fase da guerra marcadamente mais perigosa. Cabe a quem tem uma voz reconhecida sublinhar repetidamente esse risco. O clamor por uma paz justa tem de soar mais forte que as explosões dos agressores.

Conselheiro em segurança internacional.
Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

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