domingo, 12 de março de 2023

Como filmes, séries e livros são adaptados para um novo idioma - O POVO Mais - Dicionário

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Foto: Divulgação Filme "Pinóquio", de Guillermo Del Toro

A tradução de filmes, séries e livros é uma prática fundamental para promover a difusão de culturas ao redor do mundo. Através dela, é possível conectar pessoas de diferentes países e oferecer-lhes acesso a uma variedade de obras que, de outra forma, não estariam disponíveis.

"A tradução é um acesso a um novo público que não conhece aquela língua e precisa dessa ponte, dessa interpretação", explica Rafael Ferreira, coordenador do programa de pós-graduação em estudos de tradução (Poet) da Universidade Federal do Ceará (UFC).

A tradução, no entanto, é um processo complexo que envolve não apenas mudança do idioma do texto, mas também a adaptação da linguagem e da cultura para garantir que a obra seja acessível para um novo público.

Como acontece a tradução de termos "intraduzíveis"

De acordo com Rafael Ferreira, um dos maiores desafios do trabalho de um tradutor é representar palavras e expressões que não são comuns, ou não existem, no português. "A gente precisa interpretar e transformar em modo mais brasileiro possível, para não causar um estranhamento".

Carolina Fontenele é legendadora e já prestou serviços para a Netflix e outros serviços. Ela sempre tenta usar, nas legendas, expressões que são mais próximas do português, especialmente, se for uma obra mais coloquial. "Para citar um exemplo: na segunda temporada de 'Sex Education', eles mencionam um programa britânico que acontece pela manhã. Eu pensei, se colocar o nome original do programa, ninguém vai saber o que é. Então, como acontece pela manhã, coloquei como 'Mais Você'", explica.

Entre alguns de seus trabalhos estão a tradução da primeira e segunda temporada de 'Sex Education' e, mais recentemente, 'O Gabinete de Curiosidades de Guillermo del Toro'.

Para Rafael, o fenômeno da globalização tem afetado esse processo. "A cada ano que se passa a gente consegue consumir mais culturas de outros lugares e, para o tradutor, isso fica mais fácil", argumenta.

Ainda de acordo com o professor, algumas palavras e localidades se tornaram conhecidas pelo público brasileiro e, por conta disso, não existe a necessidade de se alterar. "Quando eu era criança, o Chaves ia para o Guarujá, não para Acapulco. Depois isso foi mudando, com a globalização, as pessoas começaram a ter noção do mundo fora do Brasil", lembra.

As dublagens e a liberdade na adaptação

Apesar de algumas pessoas preferirem assistir aos filmes e séries com o áudio original, a dublagem é uma opção para quem prefere assistir ao conteúdo em sua língua nativa sem precisar ler legendas.

A dublagem se destaca pela possibilidade de adaptar totalmente as falas originais ao português. Isso, de acordo com Carolina, acontece porque "o espectador não vai ter acesso ao áudio original".

"Na legendagem, o telespectador consegue entender o que está sendo dito, embora esteja em inglês, e ele percebe quando a gente muda. Na dublagem eles não sabem, então fica mais natural e tem mais liberdade para usar esse tipo de recurso", complementa.

A animação "Tá Dando Onda", de 2007, possui momentos icônicos da dublagem brasileira. Além da locação — alterada para 'Frio de Janeiro' — diversos diálogos receberam um toque especial brasileiro ao serem adaptadas ao português. Em uma das cenas, o protagonista se interessa por Lani e originalmente diz: "Oh, I'm in love", depois de a encontrar pela primeira vez. A tradução direta seria: "Nossa, estou apaixonado", porém, a frase dita pelo personagem foi adaptada para: "Ai, papai, me apaixonei".

Traduções amadoras: as Fansubs e Scans

Carolina teve sua primeira experiência com legendagem quando ainda estava na faculdade. "Eu gostava muito de assistir séries e, na época, a gente costumava baixar [os episódios] por torrent, porque demorava muito para sair na TV. Daí eu descobri que existiam equipes que se organizavam para fazer as legendas, que se chamavam de 'fansubs'", explica.

"Entrei em uma dessas equipes e fui aprendendo a fazer essas legendas. Tinham algumas pessoas no grupo que já trabalhavam com isso profissionalmente, outras faziam por hobby mesmo", complementa.

Em janeiro deste ano, no entanto, as traduções amadoras se tornaram alvo de polêmicas. Uma scan — como são chamadas as traduções não oficiais de quadrinhos — do mangá Chainsaw Man acabou se tornando mais conhecida do que a tradução oficial em fóruns na internet. O problema é que essa versão alternativa, além de distorcer a mensagem da obra original, era repleta de termos misóginos, racistas e antissemitas.

O mangá se tornou um sucesso mundial e ganhou uma adaptação para o formato audiovisual. A dublagem brasileira, como esperado, seguiu a linha da tradução oficial feita pela editora Panini.

Guilherme Briggs, conhecido por dar voz a personagens como Buzz Lightyear e Superman, participou da equipe de dublagem do anime e chegou a dizer que a tradução de scan do mangá tinha um conteúdo extremamente problemático. Isso irritou os fãs da versão alternativa, que fizeram uma série de ataques contra o dublador. "Estou sofrendo ataques de ódio, provocações e ameaças por causa de Chainsaw Man", escreveu Briggs em seu Twitter.

Por conta da pressão, ele decidiu deixar a produção da adaptação. "Eu vou pedir para sair da dublagem desse anime. Não quero mais estar nele. Pra mim acabou", escreveu, também em seu Twitter.

 

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